Iniciativa aumenta a visibilidade e o impacto do trabalho produzido por cientistas que atuam em instituições com recursos financeiros escassos, escreve o professor Marco Aurélio Romano-Silva
A responsabilidade na pesquisa e inovação é indissociável do compromisso com sua ampla disseminação. A maior parte da produção científica brasileira é financiada com recursos públicos. O acesso aberto não é apenas uma opção. Trata-se de uma obrigação ética.
Embora o país tenha sido pioneiro em iniciativas como o SciELO (Scientific Electronic Library Online), que se tornou referência mundial em publicação científica de acesso aberto, ainda temos um longo caminho a percorrer para consolidar uma cultura de ciência verdadeiramente aberta e responsável.
A expressão “acesso aberto” foi usada com esse propósito pela primeira vez pela Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste (Budapest Open Access Initiative – Boai, 2002). O movimento começou com a articulação de pesquisadores e instituições majoritariamente de países desenvolvidos do Hemisfério Norte.
Não evoluímos da maneira como previa a Declaração de Berlim
Um dos principais benefícios do acesso aberto é permitir que pesquisadores de instituições com recursos financeiros limitados tenham acesso à literatura científica global. Isso reduz a desigualdade no acesso à informação. Além disso, iniciativas nessa linha aumentam a visibilidade das pesquisas realizadas no país, potencializando o impacto acadêmico e social da pesquisa brasileira.
A Declaração de Berlim sobre Acesso Livre ao Conhecimento nas Ciências e Humanidades, de 22 outubro de 2003, foi outro marco do movimento. Em seu prefácio lê-se: “A internet transformou radicalmente as realidades práticas e econômicas da difusão do conhecimento científico e do patrimônio cultural. Pela primeira vez na história, a internet oferece-nos a possibilidade de constituir uma representação global e interativa do conhecimento humano. Isto incluindo o patrimônio cultural, e a garantia de acesso mundial”.
Em sua ampla definição, acesso livre inclui resultados de investigações científicas originais. Isso inclui, também, dados não processados e metadados, fontes originais, representações digitais de materiais pictóricos e gráficos e material acadêmico multimídia, entre outros. Entretanto, nas últimas duas décadas, podemos dizer que não evoluímos nesses princípios da maneira como gostariam os signatários originais da Declaração.
As três rotas de acesso
Atualmente, as iniciativas de Acesso Aberto (OA) estão relacionadas a três rotas. A Rota Dourada (Golden Route) abrange revistas totalmente abertas ou híbridas. Geralmente ela envolve taxas de processamento de artigos (APCs) pagas pelos autores, instituições ou financiadores, o que muitas vezes é inviável para pesquisadores brasileiros.
A segunda modalidade é a Rota Verde. Ela possibilita o depósito de textos completos em repositórios públicos, gerando acesso aberto de longo prazo, como o ArXiv e MedArXiv. No entanto, pesquisadores desconhecem os benefícios e as possibilidades oferecidas por esses repositórios, o que evidencia a necessidade de mais divulgação e treinamento. Por fim, a Rota Diamante oferece publicação gratuita para autores, financiada por subsídios institucionais ou de sociedades.
Juntas, as três rotas ampliam o acesso ao conhecimento científico, promovendo transparência e acessibilidade para pesquisadores e o público em geral. O DOAJ (Directory of Open Access Journals) disponibiliza a lista completa de periódicos de acesso aberto. Este é um repositório comprometido em garantir que conteúdo de qualidade esteja acessível gratuitamente on-line para todos.
A publicação em acesso aberto tem como desfecho reduzir a duplicação de esforços de pesquisa, evitando desperdícios financeiros e de tempo. Também quer promover a transparência na aplicação dos recursos de financiamento. E com isso, reforçar a responsabilidade das instituições públicas, facilitar a busca e o uso de informações por meio de metadados.
Além disso, busca propiciar que a sociedade compreenda e valorize mais os cientistas e suas contribuições. Por sua vez, podendo reduzir barreiras ao conhecimento e favorecer a criação de bancos de dados e a reutilização dos resultados já publicados. Acesso aberto é pilar da pesquisa responsável.
O movimento de acesso aberto representa uma oportunidade única para o Brasil reduzir as desigualdades no acesso ao conhecimento científico. Tornando-o mais colaborativo, transparente e impactante.
As agências de fomento internacionais exigem, muitas vezes, que dados e publicações resultantes de seus financiamentos sigam planos de compartilhamento de dados. Para apoiar essa exigência, eles permitem o uso de parte do financiamento no pagamento de taxas de publicação em acesso aberto (OA). Ou firmam acordos com editoras para isentar os pesquisadores de custos adicionais.
Esse modelo pode ser eficaz em ambientes caracterizados por forte apoio à pesquisa, mas desafia países em desenvolvimento, como o Brasil. As taxas OA podem consumir parcelas significativas dos orçamentos dos projetos.
Financiamento e desigualdades de países como o Brasil
Ao mesmo tempo, editoras tradicionais aumentam suas barreiras de acesso e geram lucros crescentes com reajustes anuais nas assinaturas e nas taxas de publicações híbridas. Este fenômeno é conhecido como double-dipping. Editoras cobram tanto pela assinatura quanto pelas APCs em revistas híbridas. Ou seja, isso agrava a situação, ampliando o fosso entre os pesquisadores de países desenvolvidos e os de nações emergentes, que acabam sendo duplamente penalizados.
Como efeito colateral, o aumento das exigências por publicação em acesso aberto, somado à intensa pressão por produtividade acadêmica em países como a China, tem fomentado o surgimento de revistas predatórias. Essas publicações adotam práticas editoriais duvidosas. Focam principalmente no lucro. Geralmente cobram altas taxas de publicação (APCs), sem oferecer revisões rigorosas ou garantia de qualidade científica.
Esses periódicos exploram a urgência e a necessidade de publicação de pesquisadores, comprometendo a integridade da pesquisa ao publicar trabalhos sem o devido escrutínio científico. Causam confusão no meio acadêmico e prejudicam o valor da pesquisa de qualidade.
Esse fenômeno também corrói a confiança nas publicações científicas e dificulta a identificação de estudos confiáveis. Elas borram a fronteira entre ciência de qualidade e ciência de fachada. O avanço do conhecimento científico é ameaçado, pois a proliferação de revistas predatórias polui o meio científico e dificulta a visibilidade de publicações rigorosamente revisadas.
Algumas possibilidades de solução
Para enfrentar esses desafios, é crucial que o Brasil adote uma abordagem estratégica, por meio de políticas públicas de incentivo ao acesso aberto. A saber, incluindo financiamento dedicado para cobrir APCs em revistas de qualidade e apoio a repositórios institucionais, valorizando a qualidade sobre a quantidade. Da mesma forma, revisando critérios de avaliação acadêmica para enfatizar o impacto das pesquisas, desencorajando a publicação em revistas predatórias, educação e conscientização.
Promovendo programas de capacitação para pesquisadores sobre acesso aberto, boas práticas de publicação e identificação de revistas predatórias e fortalecimento de periódicos nacionais. Investindo em revistas brasileiras em língua inglesa, de acesso aberto. Aumentando sua visibilidade e indexação em bases de dados internacionais como o DOAJ, garantindo que conteúdo de qualidade esteja acessível globalmente.
Uma alternativa promissora é o modelo de comunicação científica Publicar-Avaliar-Curar (Publish-Review-Curate, ou PRC). Nesse modelo, os pesquisadores primeiro disponibilizam seus trabalhos em plataformas abertas, permitindo o acesso imediato à comunidade científica e ao público em geral.
Revisão, disseminação e menores custos
Em seguida, o processo de revisão por pares é realizado de forma transparente e colaborativa. Assim sendo, com amplo envolvimento das comunidades acadêmicas na avaliação e aprimoramento do trabalho. Por fim, a curadoria dos conteúdos é feita por sistemas de recomendação e classificação, facilitando a identificação de pesquisas de alta qualidade.
Esse modelo acelera a disseminação do conhecimento e reduz os custos associados à publicação. Uma opção viável para países com recursos limitados como o Brasil. Além disso, o PRC promove a responsabilidade ética e a integridade científica, ao incentivar a participação ativa da comunidade na validação das pesquisas.
Acesso aberto é pilar da pesquisa responsável
O movimento de acesso aberto representa oportunidade única para o Brasil reduzir as desigualdades no acesso ao conhecimento científico. O movimento torna a ciência brasileira mais colaborativa, transparente e impactante.
No entanto, para que os princípios estabelecidos há duas décadas se concretizem, o processo requer um equilíbrio delicado. Entre a busca por visibilidade internacional e o desenvolvimento de soluções sustentáveis que respeitem nossas limitações orçamentárias. Como dissemos, o acesso aberto é pilar da pesquisa responsável.
Prof. Marco Aurélio Romano Silva. Professor Titular de Psiquiatria da UFMG. Coordenador do Centro de Tecnologia em Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da UFMG e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável.
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