Pesquisa canadense sugere que a exposição pré-natal a idiomas estrangeiros pode levar o cérebro do bebê a processá-los como nativos. Entenda como e o que os cientistas descobriram e por que eles recomendam novas pesquisas para confirmar.
Se você conhece mães que costumam conversar com a barriga durante a gravidez, saiba que este bebê não está apenas ouvindo sons acolhedores. Ele pode estar tendo sua primeira aula de reconhecimento de padrões linguísticos.
Um estudo publicado na revista Communications Biology revelou que recém-nascidos podem ser capazes de reconhecer línguas estrangeiras às quais foram expostos ainda no útero. E que o processamento dessa língua “desconhecida” em seus cérebros ocorre de maneira surpreendentemente similar ao que ocorre com a língua materna.
A investigação foi desenvolvido por neuropsicólogos, liderados pelas cientistas Andréanne René, Laura Caron-Desrochers e Anne Gallagher, do Hospital Universitário Sainte-Justine e da Universidade de Montreal, Canadá.
Segundo os canadenses, o ambiente linguístico pré-natal é capaz de moldar ativamente as respostas cerebrais logo após o nascimento. Ou seja, isso pode indicar que o cérebro do bebê é ainda mais flexível e preparado para aprender do que a ciência imaginava anteriormente.
O estudo não afirma que tenha havido um aprendizado completo, mas que o cérebro pode começar a mapear padrões linguísticos. A pesquisa foi conduzida de forma segura e ética, garantindo que o volume sonoro não representasse riscos à audição fetal.
O som que atravessa a barreira
O sistema auditivo do feto já está funcional aí por volta da 25ª semana de gestação. Ou seja, no terceiro trimestre, quando as estruturas cerebrais responsáveis pela linguagem também já estão conectadas. Entretanto, a grande dúvida dos cientistas era entender como a experiência pré-natal modula essa rede neural.
Para testar essa hipótese, os pesquisadores recrutaram gestantes que falavam francês. Durante o último mês de gestação, um grupo de 39 bebês foi exposto a uma história infantil contada em sua língua nativa (francês) e também em uma língua estrangeira (alemão ou hebraico).
Por outro lado, um grupo de controle com 21 fetos não recebeu essa exposição experimental, ouvindo apenas o francês de seu ambiente natural.
Tecnologia aponta para possível aprendizado
A verificação dos resultados ocorreu nos primeiros três dias de vida dos bebês. Enquanto os recém-nascidos dormiam, os cientistas utilizaram uma tecnologia chamada espectroscopia funcional no infravermelho próximo (fNIRS).
Essa técnica mede as variações na oxigenação do sangue no cérebro por meio da absorção de luz, funcionando como um indicador de atividade cerebral.
Nesse procedimento, todos os recém-nascidos ouviram novamente as histórias em francês, alemão e hebraico. Bebês que passaram pela exposição pré-natal tiveram respostas cerebrais à língua estrangeira ouvida no útero, similares às respostas para a língua materna.
Essa ativação ocorreu especificamente na região temporal esquerda do cérebro. E tanto para o idioma nativo quanto para a língua estrangeira, à qual houve exposição previamente. Como o hemisfério esquerdo é predominantemente recrutado para memória de fala e aprendizado em recém-nascidos, isso indica que houve um aprendizado pré-natal.
Veja abaixo o resumo do método usado para comprovar como a exposição pré-natal molda o cérebro de recém-nascidos

Cientistas monitoram a atividade cerebral de recém-nascidos usando luz infravermelha (fNIRS)
A imagem detalha o método de análise do estudo. Na imagem A, um recém-nascido utiliza a touca de fNIRS (Espectroscopia Funcional no Infravermelho Próximo). Essa é uma técnica não invasiva que permite aos pesquisadores medir a oxigenação do sangue no cérebro. Ou seja, permite identificar as regiões cerebrais que estão trabalhando mais, enquanto o bebê dorme e ouve as histórias. Na imagem B, o desenho do cérebro dos dois lados (direito e esquerdo) mostra que o equipamento usa luzes (pontos vermelhos e pretos) para monitorar 72 pontos cruciais nos hemisférios cerebrais. A partir desses dados, a equipe pode verificar a resposta neural em seis áreas de interesse (ROI). A imagem C, ilustra o protocolo: as línguas (Francês, Alemão e Hebraico) eram apresentadas em blocos, com a ordem de apresentação variada para evitar vícios. Fonte: Artigo Prenatal linguistic exposure shapes language brain responses at birth.
Diferença entre o familiar e o novo
Além disso, a comparação com o grupo de controle reforçou a descoberta. Quando os bebês ouviam uma língua estrangeira à qual não foram expostos no útero, o cérebro reagia de forma diferente.
Nesses casos de total desconhecimento, observou-se uma diferença de ativação nas regiões temporal esquerda e pré-frontal direita. Dessa forma, o estudo conclui que a familiaridade adquirida ainda no ventre materno pode influenciar diretamente o processamento da fala ao nascer.
Segurança e ética na ciência
Conduzido com rigor ético, o volume dos sons apresentados aos fetos foi calibrado para compensar a atenuação dos tecidos maternos, resultando em cerca de 60 dB no útero, o que não representa risco ao desenvolvimento auditivo fetal.
A pesquisa recebeu apoio de importantes órgãos de fomento canadenses, como o NSERC e a Fundação Sainte-Justine, e os autores declararam não haver conflitos de interesse.
Embora a amostra de 60 participantes seja considerada adequada para detectar efeitos médios, os próprios autores sugerem que mais pesquisas são necessárias para entender nuances entre diferentes línguas estrangeiras.
Conclusão
O estudo canadense lança uma luz nova sobre as capacidades dos recém-nascidos. Ao demonstrar que uma exposição breve e repetitiva no útero pode tornar um idioma estrangeiro “reconhecível” para o cérebro, os cientistas confirmam que a especialização para a linguagem começa antes mesmo do primeiro choro. Portanto, se o seu bebê parecer prestar atenção quando você fala, saiba que essa conexão neural pode ter começado tempos antes do parto.
Quer se aprofundar nos detalhes técnicos dessa descoberta?
[Leia o artigo original]
Prenatal linguistic exposure shapes language brain responses at birth
René, A., Caron-Desrochers, L., Tremblay, J. e colboradores. Communications Biology. 8, 1155. 2025.
DOI: https://doi.org/10.1038/s42003-025-08594-8
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