Neuropróteses capazes de decodificar sinais de uma área específica do cérebro e traduzi-los em texto, voz – audível – e animações faciais. Essa tecnologia já existe. Embora continue em desenvolvimento, ela já está bem mais rápida e pode ajudar pacientes com algum tipo de paralisia severa, que não podem se comunicar de forma natural. Vamos juntos conhecer o futuro da comunicação assistida.
Sabe aquele momento em que você pensa numa frase e ela sai automaticamente da sua boca? Agora, imagine fazer isso sem mover um músculo? É o que um estudo publicado pela Nature Neuroscience, em março de 2025, mostrou ser possível usando um implante cerebral que lê a mente e transforma intenções em fala.
Neuropróteses, mais especificamente, são dispositivos eletrônicos controlados por meio do pensamento. Nesse caso, a tecnologia é capaz de conectar o cérebro a um sistema de Inteligência Artificial e transformar os sinais biológicos diretamente em fala, em tempo real, usando streaming contínuo. E, se isso já parece futurista, os cientistas incluíram também animações faciais para dar um toque mais natural à comunicação (assista ao vídeo, abaixo).
Os estudos citados aqui são orientados por dois pesquisadores que têm se despontado mundialmente nessa área, o médico neurocirurgião Edward Chang e o cientista da computação Gopala Anumanchipalli, ambos do departamento de Engenharia Elétrica e Ciência da Computação, e do Instituto Weill de Neurociência, da Universidade da Califórnia de São Francisco e de Berkeley, nos Estados Unidos.
Decodificando a representação dos recursos de fala
A base do raciocínio vem de outros estudos, básicos, que mostram que mesmo pessoas com lesões nas vias motoras, têm preservadas as funções cerebrais relacionadas aos movimentos, inclusive os vocais. As vias motoras são responsáveis por transmitir os comandos do sistema nervoso central que coordenam os movimentos.
Isso evidencia que, apesar da incapacidade de transmitir comandos, os circuitos responsáveis pela intenção de fala permanecem ativos.
Uma base do funcionamento do sistema nervoso sustenta a decodificação de intenções de fala. É isso que viabiliza o desenvolvimento de neuropróteses capazes de traduzir esses sinais em comunicação funcional.
Do pensamento ao som
Embora essa história tenha surgido muito antes, em 2023 a equipe coordenada pelo professor Edward Chang, da Universidade da Califórnia, conseguiu avançar na velocidade em que os sinais do cérebro, captados por eletrodos, poderiam ser decodificados para gerar texto e até voz sintetizada.
Eles já estavam convictos de que neuropróteses de fala têm potencial de restaurar a comunicação para pessoas que vivem com paralisia. No entanto, “a velocidade e a expressividade naturalistas não eram satisfatórias”. Mas, isso mudou.
O grande avanço veio a partir do trabalho de doutorado do jovem cientista Kaylo Littlejohn, sob orientação dos pesquisadores da Universidade da Califórnia. Agora, os sinais são processados a cada 80 milissegundos (mS), ou seja 80 milionésimos de 1 segundo. Em outras palavras: imediatamente.
Outra pesquisa da Universidade da Califórnia, de 2024, desenvolvida pelo cientista Alexander Silva e seus colegas, definiu um conjunto de métricas. Esse estudo permitiu avaliar e padronizar os sistemas de neuropróteses de fala, e apontou direções para explorar o espaço de características que contribuem para acelerar o progresso “de uma neuroprótese de fala clinicamente viável”.
Não é só fala, é “comunicação multimodal”
A evolução das técnicas de decodificação passou de abordagens baseadas em vocabulários restritos para métodos avançados que utilizam algoritmos de redes neurais recorrentes. Isso permitiu que os modelos mapeassem a atividade neural em palavras e frases com grande precisão e amplitude de vocabulário.
Essas inovações possibilitaram taxas de comunicação significativamente superiores, atingindo mais de 78 palavras por minuto, aproximando a comunicação feita por meio da neuroprótese dos padrões da fala natural.
Os avanços vão além de sintetizar a fala. A neuroprótese se mostrou capaz de, também, controlar um avatar virtual que espelha as expressões faciais e emoções do usuário. Este avatar acompanha as palavras.
Ao refletir uma expressão facial natural, a comunicação fica ainda mais expressiva e mais eficiente. O sistema inclusive consegue expressar palavras nunca usadas anteriormente, o que o torna mais flexível e mais aplicável às diferentes situações do dia a dia.
Para quem perdeu a capacidade de falar, trata-se de um ganho imprescindível.
O futuro do “futuro”
Claro que nem tudo é perfeito, ainda. Até o momento, os testes envolveram apenas uma paciente, o que significa que ainda há muito a ser feito. Há necessidade de ampliar os testes para uma amostra maior de participantes e garantir que a tecnologia seja estável a longo prazo.
Outro passo importante é aprimorar os eletrodos usados e desenvolver algoritmos que possam fazer a calibragem do equipamento automaticamente. Certamente, isso reduziria o esforço diário dos usuários.
A personalização do dispositivo é outro desafio. Por exemplo, sugerem os cientistas da Califórnia, a conversão de voz utilizando amostras de antes da lesão. E, claro, analisar todas as questões éticas envolvidas, especialmente quanto à privacidade dos dados neurais.
Além disso, também é necessário aumentar ainda mais a precisão e a aplicabilidade da neuroprótese. Por exemplo, eles citam a necessidade de aprimorar os modelos de linguagem e de explorar novas formas de captar sinais cerebrais, como interfaces que funcionem dentro do córtex cerebral, a área do cérebro responsável pela cognição.
Um implante cerebral que lê a mente e transforma intenções em fala.
. Selecione “Legendas/CC”. Procure por “Traduzir Automaticamente”. Selecione “Português”, ou o idioma de sua preferência – Crédito: changlab.ucsf.edu
Conclusão
Com a combinação de decodificação de fala, texto e animações faciais, as pesquisas estão revolucionando a comunicação assistida. Em resumo, a tecnologia de streaming contínuo permite uma interação mais fluida e natural, devolvendo voz e identidade a pessoas com dificuldades de fala severas.
Ganha com isso a inclusão social e a autoestima dos indivíduos afetados por condições como a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), Acidente Vascular Cerebral (AVC), ou algum outro tipo de problema que leve à paralisia e à impossibilidade de fala natural.
Em conclusão, esses avanços são exatamente o tipo de inovação que o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (NeuroTec-R) apoia, promovendo a ética e a inclusão social em todas as suas iniciativas.
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Leia o artigo original
A streaming brain-to-voice neuroprosthesis to restore naturalistic communication
Littlejohn, K. T. et al. Março, 2025. Nature Neuroscience.
The speech neuroprosthesis
Silva, A. B. et al. 2004. Nature Reviews Neuroscience.
A high-performance neuroprosthesis for speech decoding and avatar control
Metzger, S. L. et al. Maio, 2023. Nature.
Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista do CTMM Medicina UFMG