Pesquisa internacional com seres humanos mostra que luz extremamente fraca e invisível aos olhos pode abrir caminho para novos exames de neuroimagem cerebral. Contudo, sua aplicação como coadjuvante para a compreensão da atividade do órgão depende de estudos com métodos mais apurados e mais voluntários.
Cientistas do Canadá e dos Estados Unidos publicaram na revista iScience, do grupo Cell Press, um estudo mostrando que o cérebro humano emite fótons de baixa intensidade, invisível aos olhos humanos. Esses fótons carregam informações distintas, dependendo da situação vivida pela pessoa no momento do exame. Na pesquisa foram feitas medidas com os voluntários de olhos abertos, fechados ou ouvindo sons, por exemplo.
Uma das conclusões que o estudo apresenta é que o cérebro emite um tipo de “assinatura luminosa” e esse sinal tem relação com o estado funcional de cada pessoa. Desenvolver essa técnica pode contribuir para revelar diferentes estados mentais ou padrões de atividade cerebral. Por isso, os autores sugerem que a técnica se torne uma linha de pesquisa em neuroimagem baseada em fótons.
Essa nova forma de “ler” a atividade cerebral eles chamaram fotoeletroencefalografia. E antes que alguém confunda: não se trata de aura mística ou de alguma outra interpretação esotérica.
Como foi feito
O trabalho reuniu 20 voluntários saudáveis. Eles foram submetidos a diferentes condições experimentais, como manter os olhos abertos ou fechados, e ouvir estímulos auditivos. Durante os testes, enquanto sensores tradicionais registravam a atividade elétrica do cérebro (EEG), detectores de fótons mediam as UPEs sobre regiões específicas da cabeça, como o lobo occipital (responsável pela visão) e o temporal (ligado à audição).
Os resultados mostraram que as emissões do cérebro eram diferentes da luz de fundo do ambiente. Além disso, apresentavam variações de frequência e intensidade conforme a tarefa realizada, o que reforça a confiabilidade do método.
Potenciais riscos e benefícios
Embora os dados sejam animadores, os próprios cientistas reconhecem que a amostra é pequena e que o estudo serve apenas como prova de conceito. Seu principal benefício está em abrir caminho para novos métodos de monitoramento cerebral e ferramenta diagnóstica não invasiva.
Ao contrário de exames como a tomografia por emissão de pósitrons (PET), que usa radiação, ou da ressonância magnética funcional (fMRI), que aplica campos magnéticos intensos, a técnica de detecção de UPEs, ou fotoencefalografia, é totalmente passiva. Ou seja, o cérebro não precisa receber estímulos externos. Isso a torna potencialmente mais segura e menos invasiva.
As implicações práticas disso incluem desde novas formas de diagnóstico de doenças neurológicas até o monitoramento do envelhecimento cerebral. Como as UPEs estão ligadas ao metabolismo celular e ao estresse oxidativo, podem indicar riscos de neurodegeneração, como no Alzheimer.
No entanto, a técnica levanta controvérsias: seria aceitável usar o método para vigiar estados mentais em tempo real? Como evitar abusos em contextos de trabalho, segurança ou política? Esses debates deverão acompanhar o avanço tecnológico.
Outro ponto de atenção tem a ver com o reduzido número de participantes. Vinte indivíduos é relativamente pouco e não permite a generalização dos resultados. Os cientistas reconhecem a necessidade de novos estudos, e que contem com a participação de mais gente, e com metodologias ainda mais aprimoradas.
O fato de o estudo ter sido publicado na iScience, revista científica revisada por pares, significa que especialistas avaliaram o trabalho antes de sua publicação. Agora, vários outros farão o mesmo, mundo afora.
Impactos possíveis na saúde pública
Por enquanto seu uso seria um risco. A técnica não fornece informações claras para um diagnóstico confiável. Seu uso clínico precipitado poderia gerar interpretações enganosas e até prejudiciais para o paciente.
Se aparecer algum anúncio comercial prometendo “ler pensamentos pela luz do cérebro” ou “diagnóstico de doenças pela aura”, você, leitor, já sabe que isso – ainda – não existe. Ainda. Muita calma nessa hora!
No entanto, se confirmada a técnica, ela vai poder oferecer aplicações como detecção precoce de tumores cerebrais, acompanhamento de envelhecimento e lesões, além de monitoramento de intoxicações. Para a saúde pública, isso representaria métodos mais econômicos e menos invasivos de avaliação.
O estudo recebeu apoio do Conselho de Ciências Naturais e Engenharia do Canadá (NSERC), do programa New Frontiers in Research – Exploration e da Optica Foundation. Além disso, contou com suporte do Allen Discovery Center da Tufts University.
O que já se sabia antes
O avanço atual só foi possível porque outros trabalhos sustentaram a hipótese. Em 2021, no Journal of Photochemistry and Photobiology (B: Biology), cientistas da Universidade de Valência, liderados por Francisco Zapata, reforçaram a ideia de que as UPEs podem ser usadas no diagnóstico não invasivo de estados internos do cérebro.
Mais recentemente, em 2024, a ideia também foi apresentada na revista científica Frontiers in Physiology, em profunda revisão diversos outros artigos, realizada por Rhys Mould e seus colegas do Reino Unido. Eles analisavam as emissões fotônicas ultra fracas (UPEs) e suas potenciais aplicações biomédicas.
Próximos passos
Os cientistas, dos Estados Unidos e do Canadá, planejam seguir com os estudos. Por isso, recomendam ampliar a amostra, testar mais regiões do cérebro e usar detectores mais sensíveis, capazes de identificar padrões específicos de emissões. Além disso, também buscam compreender melhor como as UPEs se relacionam com ritmos cerebrais conhecidos.
[Leia o artigo original]
Exploring ultraweak photon emissions as optical markers of brain activity.
Casey H. et al. iScience, 2025.
DOI: 10.1016/j.isci.2025.112019
[Fala comigo, leitor!]
Deixe seu comentário:
📧 inctneurotecr@gmail.com
📱 Instagram: @inctneurotecr
💼 LinkedIn: INCT NeuroTec-R
🌐 Explore mais: https://neurotecr.ctmm.digital
Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG