Terapia ocupacional centrada na pessoa combate o Alzheimer; conheça artigo brasileiro publicado por instituição Internacional

Terapia ocupacional centrada na pessoa
Atividades cotidianas e práticas ligadas à espiritualidade ajudaram pacientes com Alzheimer a recuperar autonomia em casa. As imagens mostram o desenvolvimento de jogos adaptados, além de dicas visuais e orientação espacial, ações usadas no processo de reabilitação relatado no artigo - Imagens do artigo (Reprodução)

Pesquisa da UFMG e do INCT NeuroTec-R apresenta modelo de reabilitação em demência adaptado ao SUS. O trabalho integra o relatório global da Alzheimer’s Disease International (ADI), entidade que reúne especialistas e defensores da causa em mais de 100 países.


Aos 77 anos, “Seu João” começou a esquecer tarefas simples. Aposentado e líder religioso, o diagnóstico de doença de Alzheimer trouxe a ele e à esposa uma rotina marcada por frustrações. Tarefas que antes eram fáceis, como se barbear ou organizar a casa, passaram a exigir supervisão constante. Com apoio de uma equipe dirigida por pesquisadores do Centro de Tecnologia em Medicina Molecular (CTMM) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (INCT NeuroTec-R), ele recebeu um plano de reabilitação ocupacional, feito sob medida.

O objetivo era preservar sua independência e, ao mesmo tempo, aliviar a sobrecarga de sua esposa: “Maria”. Em sessões individuais, João teve a oportunidade de reaprender a usar lembretes, organizar o ambiente e dividir atividades em etapas menores. Voltou a se barbear sozinho, a ajudar no quintal e a participar de tarefas domésticas.

Com o tempo, João passou a frequentar grupos de reabilitação. Mais à frente, pôde voltar a ler textos bíblicos em eventos religiosos. Logo estava compartilhando histórias de vida e recuperou o papel de guia espiritual que sempre valorizou. Sua esposa também foi incluída em encontros quinzenais para cuidadores. Nesses momentos foi que ela aprendeu a lidar com o estresse e a importância de preservar o próprio bem-estar.

O resultado foi nítido: maior participação dele nas atividades diárias, menos estresse para ela e a retomada de momentos de convivência que haviam se perdido.

Do caso individual ao modelo brasileiro

A história de “Seu João” faz parte do artigo “Rehabilitation in dementia: a person-centred occupational therapy approach in the Brazilian context”. (Em tradução livre, algo como “Reabilitação na demência: uma abordagem de terapia ocupacional centrada na pessoa no contexto brasileiro”). São autores Isabel Cristina de Resende, Maria Aparecida Camargos Bicalho e Bernardo de Mattos Viana.

Eles são pesquisadores do Programa de Extensão em Psiquiatria e Psicologia do Idoso (PROEPSI-UFMG ) e do projeto Cog-Aging da Faculdade de Medicina da UFMG.

Em comemoração ao mês de combate à doença, nesta quinta-feira (18/9), o trabalho foi publicado no World Alzheimer Report 2025, da Alzheimer’s Disease International (ADI). Segundo a publicação, a visão da entidade é “prevenção, cuidado e inclusão hoje, e cura amanhã”.

Desafios no SUS e papel da universidade

O Brasil conta com um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, o SUS. Apesar de todos os seus desafios estruturais, o sistema precisa ser capaz de responder a uma população em rápido envelhecimento. Embora ofereça cobertura universal, o acesso a serviços especializados em demência permanece limitado e concentrado em grandes centros urbanos.

Nesse contexto, programas universitários de extensão, como o PROEPSI, da UFMG, e outros, assumem papel fundamental. Afinal, esses projetos reúnem, não só atenção à saúde de forma gratuita, como também fazem pesquisa aplicada e formam profissionais em saúde. E é isso que permite que estratégias inovadoras, como planos de reabilitação centrados na pessoa, cheguem a famílias que não teriam acesso a cuidados especializados.

Impacto social e científico

O artigo defende a reabilitação centrada na pessoa, vista como parte essencial do cuidado em demência. E não como um complemento. Ao devolver autonomia ao paciente e apoiar os cuidadores, a intervenção melhora a qualidade de vida. Ela também fortalece vínculos familiares e reduz custos indiretos para o sistema de saúde.

Também mostra a relevância da pesquisa aplicada em universidades públicas brasileiras. A experiência brasileira aponta caminhos também para outros países de renda média: com recursos limitados. O modelo descrito pode ser replicado em outros serviços do SUS.

Os autores chamam a atenção para o fato de que é possível oferecer intervenções eficazes e culturalmente adaptadas. No entanto, para isso é preciso investimento contínuo em pessoal e integração entre atenção primária e especializada.

Caminhos futuros

Mais de 55 milhões de pessoas vivem hoje com demência no mundo, segundo a ADI. O caso de Seu João mostra que intervenções simples, estruturadas em planos personalizados, podem transformar realidades familiares. O próximo desafio dos pesquisadores brasileiros é expandir a escala dessas iniciativas e fortalecer parcerias institucionais. Dessa forma será possível que a reabilitação centrada na pessoa se torne parte efetiva da rotina do SUS.

As intervenções descritas no artigo só foram possíveis graças ao trabalho das equipes do PROEPSI-UFMG e da pesquisa de coorte Cog-Aging. Também, do Núcleo de Geriatria e Gerontologia da UFMG (NUGG) e do Centro de Tecnologia em Medicina Molecular (CTMM). Tudo isso, em parceria com o INCT NeuroTec-R, e com o Hospital das Clínicas da UFMG, gerenciado pela Ebserh.

Ficha técnica

Artigo: “Rehabilitation in dementia: a person-centred occupational therapy approach in the Brazilian context”
Autores: Isabel Cristina de Resende, Maria Aparecida Camargos Bicalho e Bernardo de Mattos Viana
Instituições: Faculdade de Medicina da UFMG (Programa de Extensão em Psiquiatria e Psicologia do Idoso e Cog-Aging Cohort Study), Centro de Tecnologia em Medicina Molecular (CTMM) e Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (INCT NeuroTec-R)
Publicação: World Alzheimer Report 2025 – Alzheimer’s Disease International
Seção: System Readiness for Rehabilitation
Data de lançamento: 18 de setembro de 2025
Link para o relatório completo: Alzheimer’s Disease International – World Alzheimer Report 2025

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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG