Participantes que mantiveram período de sono de 7 a 9 horas apresentaram menores índices de sofrimento, reforçando o valor do descanso e do autocuidado
Estudo conduzido por Ross Jacobucci, da Universidade de Wisconsin-Madison, em parceria com a Universidade de Notre Dame, analisou padrões digitais e relatos diários de humor e de sono. Segundo os autores, embora já se saiba que o período da noite apresenta um risco maior para os pensamentos suicidas, ainda não está claro qual seria a influência do uso da tecnologia digital nessas horas.
O objetivo da pesquisa, portanto, foi compreender quando e como o uso noturno do celular pode ser interpretado como um marcador de vulnerabilidade emocional. Conhecer a diferença entre consumo passivo (rolar ou assistir) e engajamento ativo (digitar, conversar) pode orientar o desenvolvimento de futuros esforços direcionados a algum tipo de intervenção suicida.
Como a pesquisa foi feita
Participaram 79 adultos, sendo 54 mulheres e 25 homens. Todos com histórico recente de pensamentos suicidas e moradores da cidade de South Bend, quarta maior do estado de Indiana, EUA. Com média de idade de 35,2 anos, o grupo era composto por 84,8% de pessoas brancas; 6,3% negras; 6,3% indígenas norte-americanas e 7,6% hispânicas/latinas.
A coleta dos dados ocorreu durante 28 dias. Os participantes receberam smartphones programados para capturar imagens da tela a cada cinco segundos. Paralelamente, responderam questionários seis vezes ao dia, relatando seu estado de humor, sono e ideação suicida.
E para acompanhar emoções e comportamento em tempo real foi usado um método conhecido como “fenotipagem digital”. Ao combinar os dados automáticos com avaliações ecológicas momentâneas (EMA), foi possível acompanhar emoções e comportamento em tempo real, sem depender apenas da memória dos participantes.
O que os resultados mostram
Usar o celular entre 23h e 1h da manhã, de acordo com a amostragem feita, esteve relacionado a um maior risco de pensamentos suicidas no dia seguinte. Já o uso entre os horários de 1h e 5h da manhã, demonstram resultados variados, dependendo do tipo de interação.
O artigo mostra três padrões principais:
- Mais capturas de tela e maior tempo total de uso noturno se associaram a níveis mais altos de ideação suicida e planejamento.
- Longos períodos sem atividade (7 a 9 horas) coincidiram com menor risco, indicando que o descanso contínuo tem efeito protetor.
- Presença do teclado ativo, sinal de digitação ou conversa, mostrou associação inversa ao risco — quem interagia mais tendia a relatar menor ideação suicida no dia seguinte.
Essas relações, no entanto, não indicam que o uso noturno seja benéfico. Os autores destacam que o alívio momentâneo entre pessoas em sofrimento pode refletir a busca de conexão social, mas o uso prolongado prejudica o sono e pode agravar o desequilíbrio emocional com o tempo.
O que há de novo
O diferencial deste estudo está em usar o método da fenotipagem digital. Dados passivos, coletados automaticamente pelos dispositivos, interpretados como marcadores de risco emocional. Entre os indicadores analisados estavam horários, tempo de uso, presença de teclado ativo e intervalos de inatividade.
Ao cruzar essas informações com as respostas emocionais diárias, os pesquisadores concluíram que o tempo total de tela importa menos do que o contexto e o horário do uso. Essa abordagem, portanto, abre caminhos. Ela pode permitir novas estratégias de prevenção, capazes de identificar momentos críticos de vulnerabilidade e oferecer apoio personalizado, respeitando ética e privacidade.
Limites e próximos passos
Os autores reconhecem limitações. O estudo não mediu o sono de forma objetiva, o que impede confirmar se o tempo sem celular representava descanso real. O uso do teclado foi um bom marcador de atividade, no entanto ele não revelou o conteúdo das interações o que impossibilita diferenciar conversas positivas de negativas.
Além disso, como se trata de um trabalho do tipo observacional ele mostra associações e não as causas diretas. Outro ponto que pode ter influenciado os resultados foi ter deixado de registrar dados de sono e humor. A amostragem feita apenas com usuários de Android com histórico recente de ideação suicida também limita a generalização dos achados.
Novos estudos devem levar em consideração essas limitações e, ainda, buscar a participação de populações ainda mais diversas, com pessoas sem histórico suicida, para confirmar os padrões observados.
Recado final
O estudo mostra que o problema não é o celular ou smartphone, mas o modo e o momento de seu uso. O comportamento digital noturno pode refletir solidão, insônia ou sofrimento psíquico, e compreender esses padrões é essencial para reconhecer sinais de risco precoce.
Pesquisas desse tipo se alinham ao campo da neurotecnologia responsável, que busca usar dados e tecnologias digitais para promover o bem-estar, sem violar autonomia nem privacidade.
No contexto do INCT em Neurotecnologia Responsável (NeuroTec-R), a pesquisa reforça os princípios da Pesquisa e Inovação Responsáveis (RRI): gerar conhecimento útil à saúde mental e à sociedade, sem reduzir o indivíduo a um dado estatístico.
[Leia o artigo original]
Passive vs Active Nighttime Smartphone Use as Markers of Next-Day Suicide Risk
Jacobucci R. et al. JAMA Network Open, 2025; 8(11):e2542675. DOI: 10.1001/jamanetworkopen.2025.42675
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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG