Cientistas identificam ponto em que bem-estar protege populações

Ponto em que bem-estar salva vidas
Condições mínimas de estabilidade social transformam felicidade em ganhos objetivos e reais de saúde, alerta artigo publicado na revista Frontiers in Medicine - Freepik.com

Estudo foi realizado com pessoas de 123 países e identificou um valor de felicidade mínima para reduzir risco de morte por doenças crônicas. O processo estatístico usado é complexo, mas a gente tentou esclarecer aqui, pra você. O importante, mesmo, é saber que existe uma referência que pode ser usada para orientar políticas públicas voltadas a promover a saúde mental e geral


Pesquisadores da Romênia e do Paquistão analisaram o efeito das pontuações de 123 países, registradas entre 2006 e 2021, na escala de felicidade Life Ladder. O método é usado para medir a satisfação de populações com a própria vida, a partir de autoavaliação, usando escala de “0” (pior possível) a “10” (melhor possível). 

Artigo publicado em outubro, na revista Frontiers in Medicine, mostra que a equipe identificou um valor a partir do qual a felicidade começa a proteger a saúde das pessoas: é 2,7. Abaixo daí o aumento de felicidade não reduz os índices de mortalidade por doenças crônicas. Mas, acima desse valor, a cada 1% de aumento no bem-estar, há redução de 0,43% das mortes prematuras por doenças crônicas não transmissíveis (NCDs).

Em outras palavras, o estudo também parece mostrar que “bem-estar” não é apenas um sentimento subjetivo. Mais do que isso, cada pessoa sente no dia a dia que sua vida está protegida quando recebe um mínimo de estabilidade. E isso se reflete em sua saúde.

Mas, o corpo só responde ao bem-estar quando a sociedade oferece o básico. Por sua vez, reforça a necessidade de que sejam garantidas políticas de saúde, economia e proteção social integradas. 

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E como é que essa pesquisa foi feita?

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a definição de saúde inclui o florescimento mental e social. Isso pode sugerir que a baixa de felicidade, por si só, poderia influenciar o risco de aparecimento de doenças. O desenvolvimento do conceito levou a Organização das Nações Unidas a moldar sua agenda de desenvolvimento para incluir “felicidade” e “bem-estar” na pauta de qualidade de vida das populações.

Para testar se felicidade realmente protege contra doenças crônicas, os autores reuniram dados globais coletados entre 2006 e 2021 e desenvolveram este estudo.

Primeiro, foram analisados os dados da Life Ladder (World Happiness Report 2025), que pede que as pessoas avaliem a própria vida atribuindo as notas de 0 a 10.

Os pesquisadores analisaram as taxas de mortalidade por doenças crônicas entre indivíduos de 30 a 70 anos e compararam esses dados com variáveis que moldam o risco ao longo do tempo. Tais como obesidade, uso de álcool, urbanização e poluição do ar por (PM₂.₅), material particulado fino, com diâmetro menor ou igual a 2,5 microns. Esse tipo de poluente está associado a doenças cardiovasculares e respiratórias.

Porém, em lugares com maior bem-estar e fiscalização mais rígida, o efeito negativo desse material praticamente desaparece. Isso ajudaria a explicar por que políticas públicas eficazes conseguem mudar a forma como fatores ambientais impactam a população.

Como o número 2,7 “apareceu”

A avaliação das mudanças de comportamento dos participantes deste estudo foi realizada a partir do uso de métodos estatísticos complexos, e com um volume muito grande de dados. 

Os cientistas começaram usando o PSTR, um modelo que examina os dados da escala de bem-estar para detectar o ponto em que o efeito deixa de ser nulo e passa a existir. Com ele foi possível responder à pergunta: “Existe um ponto exato em que a relação entre felicidade e mortalidade muda?” A análise mostrou que sim e que ocorre em 2,7 pontos na escala de bem-estar.

Recapitulando

Abaixo de 2,7: aumentos de felicidade não reduzem mortalidade.
Acima de 2,7: cada avanço de felicidade começa a reduzir o risco de morte.

Depois disso, os autores aplicaram o VAR (vector autoregression), um método que usado para modelar e analisar a interdependência entre as variáveis ao longo do tempo. Nada a ver com o do Futebol! 

Daí a conclusão: quando esse número está alto, primeiro a felicidade aumenta; depois a mortalidade cai. E, vice-versa: quando a mortalidade cai, a felicidade volta a subir, e isso mantém o ciclo, evidenciando ainda mais a relevância de políticas públicas confiáveis, capazes de promover segurança mínima e ambiente regulado.

É preciso o mínimo de condições de vida

Sentir-se bem, por si só, não protege biologicamente o corpo quando a vida está abaixo de um mínimo de condições materiais, como:

• saneamento,
• emprego,
• alimentação adequada,
• ar respirável,
• acesso à saúde

Quando essas condições faltam, o bem-estar subjetivo não tem força suficiente para compensar os riscos objetivos que aumentam os casos de doença e morte.

Quando o país ultrapassa o valor de 2,7, segundo o estudo, isso significa que:

• a população tem mínimo de estabilidade,
• consegue planejar,
• tem algum nível de segurança,
• e vive num ambiente onde ações individuais fazem diferença.

Só daí em diante que o bem-estar começa a proteger o cidadão: reduz inflamação crônica, melhora a imunidade, favorece escolhas saudáveis e reduz mortalidade, consequentemente.

O estudo lembra que avanços em saúde mental, cognição e autonomia dependem de sistemas sociais capazes de sustentar seus efeitos. Quando essa base existe, tecnologia e bem-estar trabalham juntos; quando falta, ambos perdem força.

Essa dinâmica conversa diretamente com os conceitos e diretrizes do INCT NeuroTec-R.

[Leia o artigo original]

How Happy Is Healthy Enough? Uncovering the Happiness Threshold for Global Non-Communicable Disease Prevention
Iuga, I. C., Jafri, S. R. & Iuga, H. Outubro/2025. Frontiers in Medicine, 12:1667645.
DOI: 10.3389/fmed.2025.1667645 

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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG