Reportagem da Nature Medicine reúne análises sobre como exames biológicos, funcionais e genéticos devem redefinir o cuidado
Quando o jornalista científico Mike May, da revista Nature Medicine, perguntou a alguns dos pesquisadores mais respeitados do mundo, de àreas distintas, quais ensaios clínicos devem moldar a medicina em 2026, a resposta não foi sobre remédios milagrosos.
Em Eleven clinical trials that will shape medicine in 2026, o jornalista reuniu as posições desses líderes internacionais e relata que eles concordam em um ponto central: a medicina só avança quando aprende a medir melhor o corpo humano .
Isso significa que, ainda que o artigo trate de vacinas, terapias celulares, edição genética e imunoterapia, para os cientistas nada disso funciona sem exames mais sensíveis, contínuos e biologicamente informados.
E é nesse contexto que a previsão para 2026 aparece menos como o ano do “tratamento revolucionário” e mais como o ano em que o diagnóstico assume o comando. A má notícia é que esses exames ainda não são necessariamente acessíveis a grande parte da população.
Nos parágrafos seguintes, estão algumas das análises feitas por esses cientistas.
Para Lee Fairlie, o futuro começa antes da doença
Lee Fairlie, diretora de saúde materno-infantil da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, aposta que o maior impacto da nova vacina contra tuberculose não será apenas preventivo. Segundo ela, os exames imunológicos usados já mudam a lógica da saúde pública, ao identificar quem realmente corre risco de adoecer.
Na prática, isso significa sair do modelo genérico de vacinação e avançar para uma triagem populacional baseada em resposta imune. Para Fairlie, sem esse tipo de exame, qualquer promessa de controle da tuberculose em adultos continuará limitada .
Sarah Fidler: exames vão permitir “pausas” no tratamento do HIV
Para a infectologista Sarah Fidler, do Imperial College London, o avanço mais transformador não está nos anticorpos de longa duração contra o HIV, mas na capacidade de monitorar o vírus com precisão inédita. Nos estudos descritos por Mike May, exames moleculares acompanham a volta do vírus semana a semana, algo que antes não era possível.
Segundo Fidler, isso abre caminho para uma mudança cultural no cuidado com o HIV: tratamentos menos contínuos, guiados por dados objetivos, e não apenas por protocolos fixos. O exame deixa de ser vigilância e passa a ser instrumento de autonomia clínica.
No câncer, Brian Wolpin aposta menos no remédio e mais no teste certo
Para Brian Wolpin, oncologista do Dana-Farber Cancer Institute, o avanço no tratamento do câncer pancreático só ocorre porque exames genéticos conseguem identificar mutações específicas do gene KRAS. Sem esse filtro molecular, o novo inibidor de RAS seria apenas mais uma tentativa frustrada.
Na visão de Wolpin, 2026 deve consolidar um modelo no qual o exame define o tratamento antes mesmo do diagnóstico clássico. Em outras palavras, não se trata mais de “qual câncer”, mas de “qual circuito molecular está ativo” .
Neurotecnologia: medir função, não promessa
No campo neurológico, Jeffrey Weiss, fundador do estudo NEST (Neurologic Stem Cell Treatment Study), aposta que exames funcionais serão o divisor de águas.
Em vez de buscar curas espetaculares, ele destaca que a capacidade de medir pequenas melhoras em cognição, fala e movimento já muda a vida de pacientes com Alzheimer, AVC ou lesão cerebral.
Segundo Weiss, o erro histórico da neurologia foi depender apenas de imagens estruturais. Sua previsão para 2026 é de que quem não conseguir medir função cerebral de forma contínua ficará para trás .
James Howard: exames vão redefinir doenças autoimunes
James Howard, da Universidade da Carolina do Norte, vai além. Para ele, os exames usados no ensaio com CAR T cells baseadas em mRNA para miastenia gravis apontam para uma redefinição das doenças autoimunes.
E, dessa vez, em vez de tratar o sistema imune inteiro, os testes permitem acompanhar células específicas responsáveis pela doença.
Essa abordagem, segundo Howard, pode transformar não apenas a neurologia, mas também áreas como reumatologia e imunologia clínica. Mais uma vez, o exame aparece como tecnologia central, não acessória .
Outras áreas seguem a mesma lógica
O artigo de Mike May também destaca previsões semelhantes na cardiologia, com Paul Ridker defendendo exames inflamatórios como rotina clínica, e na genética, com Allan Reine apontando testes funcionais como base para falar em “cura” de doenças raras.
Mesmo em áreas diferentes, o discurso converge: sem medir inflamação, função celular ou resposta genética, não há medicina de precisão possível .
O consenso incômodo para 2026
Embora vindos de campos distintos, os cientistas ouvidos pela Nature Medicine compartilham uma visão pouco confortável. O futuro da medicina não será resolvido apenas por novos tratamentos, mas por exames mais caros, complexos e difíceis de implementar em larga escala.
A reportagem da Nature Medicine, assinada por Mike May, converge com os objetivos do INCT NeuroTec-R ao evidenciar a centralidade de dados e mecanismos biológicos nos ensaios clínicos que devem marcar 2026. O artigo mostra que exames moleculares e funcionais passam a estruturar o desenho e a condução desses estudos, especialmente em áreas como neurologia e imunologia.
Essa lógica se aproxima dos princípios da pesquisa co-clínica, que também é desenvolvida pelo INCT NeuroTec-R, ao valorizar a integração entre evidências experimentais e clínicas. O modelo encurta o caminho entre laboratório e prática médica. Além disso, cria bases mais sólidas para a avaliação responsável de tecnologias emergentes.
[Leia o artigo original]
Eleven clinical trials that will shape medicine in 2026
Mike May. Year in Review. Nature Medicine. volume 31, pages 3943–3947 (15/12/2025)
O que você achou dessa notícia?
Deixe seu comentário!
inctneurotecr@gmail.com
No nosso Instagram @inctneurotecr
No LinkedIn do INCT NeuroTec-R
Explore mais sobre neurotecnologia e pesquisa responsável aqui no site do NeuroTec-R.
Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG