Pessoas recuperadas do tipo leve de covid-19 podem sofrer déficit cognitivo

A equipe de pesquisadores do NeuroTec-R conduziu um estudo detalhado com centenas de adultos que se recuperaram da covid-19 leve. Todos os participantes foram avaliados pelo menos quatro meses após a infecção. Para isso, foram realizados testes neuropsicológicos, oculares e neurológicos, além de análises de marcadores genéticos e imunológicos.
A equipe de pesquisadores do NeuroTec-R avaliou centenas de adultos, quatro meses depois de já terem se recuperado da infecção de covid-19, usando testes neuropsicológicos, oculares e neurológicos, além de análises de marcadores genéticos e imunológicos - Imagem gratuita ilustrativa Vecteezy.com

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 80% dos casos de covid-19 confirmados na China eram leves a moderados. A princípio foram milhões de casos reportados, mas só uma pequena porcentagem deles progrediu para estágios graves. 

Mas, e os casos leves? Foi o que os cientistas do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável, NeuroTec-R quiseram saber. Primeiramente eles observaram que os casos leves receberam menos atenção da saúde pública. No entanto, perceberam que, em todo o mundo, seus efeitos prolongados despertam preocupação até hoje.

No entanto, a suposição é de que o tipo menos grave seja a maioria dos casos pelo mundo afora. Os resultados, publicados na revista  Molecular Psychiatry, mostram as implicações da manifestação leve da doença.

A pesquisa

Os pesquisadores do NeuroTec-R analisaram centenas de pessoas adultas que se recuperaram da covid-19 leve. Os participantes foram abordados pelo menos quatro meses após a infecção. Foram submetidos também a testes neuropsicológicos, oculares e neurológicos e, com o mesmo propósito, analisaram marcadores genéticos e imunológicos. 

Foram feitos exames de imagem, como ressonância magnética estrutural, e de neuroimagem, como Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET scan) usando contraste de solução de 18 F-fluorodesoxiglicose (18FDG).

O objetivo desses testes era investigar possíveis mudanças cerebrais e relações clínicas entre diferentes aspectos resultantes da doença.

Complexas implicações neurológicas pós-covid-19

Um quarto dos participantes analisados apresentaram déficit visoconstrutivo específico. Mas, o estudo detectou uma dificuldade atípica em usar informações visuais e espaciais para orientar comportamentos complexos.

Atividades como desenhar, montar objetos ou organizar peças de estímulos mais sofisticados. Ao desenhar, informações visuais e espaciais devem ser organizadas de maneira planejada para executar um desenho, em si. 

“Esse processo exige várias habilidades cognitivas específicas, relacionadas à percepção, processamento, armazenamento e recordação de informações visoespaciais”.

Quem afirma é o neuropsicólogo Jonas Jardim, autor principal da pesquisa e professor do departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFMG. “Tanto em relação à forma quanto à posição, assim como ao planejamento e à execução do desenho”, esclarece.

O pesquisador, no entanto destaca ser esperado que pessoas com problema cognitivo leve tenham algum nível de desorganização visomotora.

Os déficits visoespaciais estão relacionados com a ativação elevada de marcadores imunológicos periféricos.  Enfim, o aumento da carga de inflamações neurológicas parece ser a causa dos déficits cognitivos. 

Contudo, não houve relação entre as inflamações e a resposta vacinal, sugerindo que a fonte de inflamação foi mesmo a infecção.

“Este estudo confirma a complexidade das implicações neurológicas pós-covid-19, em grande e crescente parte da população mundial com a doença”, diz Jardim. De acordo com o cientista, é de grande importância de que a pesquisa nesse campo siga em constante evolução. 

Ainda segundo ele, isso poderá ajudar a compreender a persistência dos sintomas, mas também vai permitir oferecer uma melhor atenção aos afetados. 

Conclusão e próximos passos

O estudo reforça a necessidade de criação de políticas de saúde pública que avaliem de forma abrangente o comprometimento cognitivo de pacientes recuperados de covid-19 leve. Além disso, a continuidade das pesquisas pode viabilizar medidas mais adequadas e ajudar a aprimorar a qualidade de vida dessa considerável parcela de pessoas em todo o mundo.

Apoio

O estudo teve apoio de:
Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), 
CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), 
FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais); 
Programa INOVA Fiocruz; CDTN/CNEN/MCTI (Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear/ Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação); 
Hospitais públicos Risoleta Tolentino Neves e Odilon Behrens.

LEIA O ARTIGO
Selective visuoconstructional impairment following mild covid-19 with inflammatory and neuroimaging correlation findings
Jonas Jardim de Paula, Rachel E. R. P. Paiva (NeurocTec-R), Nathália Gualberto Souza-Silva, Daniela Valadão Rosa, Fabio Luis de Souza Duran, Roney Santos Coimbra, Danielle de Souza Costa, Pedro Robles Dutenhefner, Henrique Soares Dutra Oliveira, Sarah Teixeira Camargos, Herika Martins Mendes Vasconcelos, Nara de Oliveira Carvalho, Juliana Batista da Silva, Marina Bicalho Silveira, Carlos Malamut, Derick Matheus Oliveira, Luiz Carlos Molinari, Danilo Bretas de Oliveira, José Nélio Januário, Luciana Costa Silva, Luiz Armando De Marco, Dulciene Maria de Magalhães Queiroz, Wagner Meira, Geraldo Busatto, …Marco Aurélio Romano-Silva
RevistaMolecular Psychiatry 
Vol./Número28(2):
Páginas553-563
Publicado 2022 jun. 14 
DOI10.1038/s41380-022-01632-5