Anvisa aprova novo medicamento para doença de Alzheimer em fase sintomática inicial

O cuidado é importante
O Donanenabe, medicamento recentemente aprovado pela ANVISA, traz esperança para o tratamento dessa doença. Mas, sua prescrição deve seguir rigorosa avaliação, seguindo critérios bem determinados pelas agências reguladoras e sociedades médicas, por profissionais capacitados. O declínio cognitivo, incluindo o causado pela doença de Alzheimer, não faz parte do processo de envelhecimento normal - Crédito www.freepik.com

Professora da Faculdade de Medicina da UFMG, Maria Aparecida Bicalho, explica o avanço que o donanemabe significa no manejo da doença. Mas, ela também alerta: não se trata de cura, somente casos iniciais se beneficiam do tratamento, há riscos de efeitos adversos e o custo é elevado. Entenda.


No dia 22 de abril de 2025, a Anvisa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, autorizou o uso do donanemabe no Brasil. Desenvolvido pela farmacêutica Eli Lilly, o medicamento inovador será vendido por aqui com o nome de Kisunla. Desde que administrado logo nos primeiros sinais clínicos da doença, ele promete reduzir a progressão da doença  de Alzheimer em até 35%, nos casos muito iniciais.

Sua aprovação é um marco importante, mesmo que traga consigo uma série de ressalvas: só funciona para um grupo bastante específico de pacientes — e ainda não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).

Segundo a médica geriatra Maria Aparecida Camargos Bicalho, professora da Faculdade de Medicina da UFMG e pesquisadora do INCT NeuroTec-R, é preciso evitar falsas expectativas. “Não se trata de uma cura”, afirma. “E o benefício, embora significativo, só ocorre em pacientes criteriosamente selecionados”, adverte. 

Como o medicamento age no cérebro

O donanemabe é um anticorpo monoclonal. Isso significa dizer que, ao se conectarem seletivamente a alvos específicos, essas moléculas facilitam a identificação e a eliminação de ameaças ao organismo pelo sistema imunológico.

No caso deste novo tratamento, ele se liga à proteína beta-amiloide, principal marcador da doença de Alzheimer, e ajuda a eliminá-la por meio de uma resposta imunológica.

Esse processo reduz as placas amiloides no cérebro. Assim, ele não só pode desacelerar os danos aos neurônios, como também pode preservar por mais tempo as funções cognitivas e a funcionalidade do paciente. Em outras palavras, é um tratamento que modifica a doença, diferentemente dos medicamentos atualmente usados, que atuam aliviando os sintomas causados por ela.

O estudo clínico que embasou a aprovação, “Donanemab in Early Symptomatic Alzheimer Disease”, foi publicado na revista científica JAMA, em julho de 2023. A pesquisa recrutou 1.736 voluntários, de 60 a 85 anos, todos em fase inicial da doença e com diagnóstico confirmado por neuroimagem utilizando marcadores específicos da doença. Além disso, os testes foram conduzidos em 277 centros médicos distribuídos em 8 países.

Doença de Alzheimer: o que é e por que desafia a medicina

Segundo a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), a doença de Alzheimer e os transtornos relacionados com ela afetam cerca de 10,3 milhões de pessoas nas Américas e estão entre as principais causas de morte em indivíduos com 60 anos ou mais. E a previsão é de que esse número possa triplicar até 2050.

Na fase de demência há comprometimento da memória, da atenção, do raciocínio e da capacidade de realizar atividades cotidianas. Em consequência, pode haver evolução de alterações comportamentais significativas. A doença de Alzheimer é a principal causa de demência, mas existem outras causas. 

Do ponto de vista da genética, já se sabe que, de pessoa para pessoa, há uma variação nas formas do DNA. A variação no gene da apolipoproteína E (apoE) é um fator de risco para o desenvolvimento dessa doença. E, embora o gene esteja envolvido no metabolismo das gorduras no nosso organismo, sua variante épsilon4, ou ApoE4, é o principal fator de risco genético. No entanto, sua simples presença não é suficiente para causar a doença.

Por fim, existem outros fatores de risco que são modificáveis. Tais como baixa escolaridade; presença de doenças crônicas, como diabetes mellitus, aumento do LDL-colesterol e hipertensão arterial; hábitos de vida prejudiciais, como tabagismo, uso abusivo de álcool e sedentarismo; isolamento social, depressão; exposição à poluição, dentre outros.

Para quem o remédio é indicado — e para quem não é

O donanemabe não é indicado para todos.

Os estudos incluíram somente pacientes entre 60 e 85 anos, com doença de Alzheimer em estágio sintomático inicial, confirmada por exames de imagem mostrando acúmulo de placas beta-amiloides e de outra proteína, a Tau hiperfosforilada. “Por este motivo, a medicação tem indicação em casos que podem ser semelhantes”, explica a médica.  

Também por isso é necessário realizar PET scan ou análise do líquido cefalorraquidiano para confirmar o diagnóstico — exames ainda pouco acessíveis no Brasil. “A confirmação do diagnóstico por meio de exame de sangue já começa a ser uma possibilidade, mas ainda falta passar por processos de validação para seu uso”, esclarece Maria Aparecida.

Por outro lado, ela também alerta que pessoas que usam anticoagulantes, que já tiveram sangramentos cerebrais ou que apresentam alterações estruturais no cérebro, não devem usar este medicamento. Segundo os estudos, nesses casos os riscos são maiores do que os benefícios.

Uma vez que a Anvisa aprova novo medicamento para a doença de Alzheimer em fase inicial, não significa que a terapia estará acessível a grande parte da população. No entanto, isso é comum com medicamentos novos. Com o passar do tempo, a tendência é o acesso se ampliar.

Benefícios reais, mas limitados

Em participantes que iniciaram o tratamento em fases iniciais, definidas por meio do PET scan, houve redução de 22 a 35% na progressão da doença , se comparada com o grupo que recebeu placebo. A progressão para o próximo estágio clínico foi 39% menor no grupo tratado.

Outro ponto positivo é que o tratamento leva um tempo limitado: entre 12 e 18 meses. Se os exames comprovarem a eliminação das placas, os médicos encerram o tratamento. Caso as placas retornem posteriormente, os médicos podem reintroduzir o uso do medicamento.

Mensalmente deve ser feita a administração do fármaco, por via intravenosa.

E quais os riscos e efeitos adversos?

A lista de contraindicações mostra que o uso do donanemabe exige acompanhamento cuidadoso, realização de ressonância nuclear magnética do cérebro de forma periódica e acesso a tecnologias médicas de ponta. 

Embora promissor, o fármaco não está livre de riscos. Não é que ele cause sintomas sempre. Mas, caso ocorram, eles podem ser graves e até fatais. As reações adversas mais comuns incluem febre, dores de cabeça e sintomas semelhantes aos da gripe, especialmente durante o processo de infusão.

Até 24% dos participantes apresentaram complicações, de acordo com o estudo publicado no JAMA. A maioria destas reações foram assintomáticas. Mas, podem ocorrer, edema (principalmente) e sangramentos cerebrais, responsáveis pela descontinuidade do tratamento.

Durante o estudo, os pesquisadores identificaram a associação de três mortes ao tratamento.. Isso, inclusive, levou a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) a negar a aprovação de uso na União Europeia. Contudo, no início de abril a Agência reavaliou sua decisão e o aprovou para utilização em casos específicos, em função da possibilidade de benefícios para uma parcela da população. É preciso cautela.

O principal efeito colateral associado ao donanemabe são as ARIA (anormalidades relacionadas à amiloide, detectadas por imagem), que incluem edema cerebral (ARIA-E) e hemorragias (ARIA-H). As ARIA são mais comuns em quem tem a ApoE4, especialmente nas pessoas que são homozigóticas, aquelas que têm dois alelos iguais para determinada característica. Os alelos são as formas alternativas de um determinado gene.

A Anvisa aprova novo medicamento para doença de Alzheimer em fase sintomática inicial e informa que acompanhará de perto a segurança do medicamento, com medidas previstas em seu Plano de Minimização de Riscos.

Impactos sociais e éticos da nova terapia

Em resumo, podemos concluir que a aprovação pela Anvisa abre caminho para a comercialização do fármaco no país. No entanto, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) ainda precisa avaliar a proposta antes de disponibilizá-la na rede pública.

Nos Estados Unidos, o custo do tratamento pode ultrapassar os 48 mil dólares por 18 meses. No entanto, aqui no Brasil o preço ainda será definido. Bem como os planos de saúde estão em negociação.

Mesmo o remédio chegando ao mercado privado, o acesso à nova terapia depende de exames caros e acompanhamento especializado. Por certo, isso reacende a discussão sobre a importância do diagnóstico precoce e preciso da doença de Alzheimer, e de outras formas de demência no Brasil.

“Sabemos que a doença é subdiagnosticada e que a maioria dos pacientes são diagnosticados tardiamente. Contudo, as pessoas ainda acreditam que as alterações relacionadas às demências, seja pela doença de Alzheimer ou outra causa, ainda são “normais da idade””, observa a geriatra Maria Aparecida Bicalho.

Ademais, ela adverte que, fora dos grandes centros urbanos, profissionais de saúde diagnosticam a maioria dos casos tardiamente ou nem chegam a confirmá-los. Há ainda preocupação da comunidade médica quanto à ausência de políticas públicas que garantam acesso a diagnósticos e tratamentos. Por consequência, isso poderia levar ao risco dessa inovação científica promissora se transformar em privilégio.

O tratamento envolve o acesso a exames caros e pouco disponíveis, como o PET scan e os biomarcadores no líquido cefalorraquidiano e no sangue. Além disso, aplicação intravenosa mensal, ressonâncias de controle e acompanhamento contínuo por equipe especializada. A Anvisa aprova novo medicamento para doença de Alzheimer, e isso é só o começo de um longa caminhada.

NeuroTec-R e os próximos passos

No Brasil, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (NeuroTec-R) destaca a importância de acompanhar de perto a incorporação de tecnologias com impacto social tão significativo. Nesse sentido, também incentiva o desenvolvimento de mais ações de Pesquisa e Inovação Responsáveis (PIR), a saber, para fortalecer o diálogo entre ciência, sociedade e políticas públicas.

Transparência, ética e escuta ativa da sociedade civil devem orientar cada avanço científico. Em resumo, a Anvisa aprova novo medicamento para a doença de Alzheimer em fase inicial dos sintomas e, com isso, reforça a importância da inovação como fonte de geração de impactos positivos, com compromisso e responsabilidade.

Leia o artigo original

Donanemab in Early Symptomatic Alzheimer Disease
John R. Sims; Jennifer A. Zimmer; Cynthia D. Evans, e colaboradores
JAMA. 2023; 330(6), páginas 512-527. 8 de agosto de 2023.
doi:10.1001/jama.2023.13239

Donanemab: Appropriate Use Recommendations
Rabinovici, G.D. e colegas. (2025). The Journal of Prevention of Alzheimer’s Disease. Disponível em:

Novo remédio para tratar Alzheimer inicial é aprovado pela Anvisa
Paula Felix e Diogo Sponchiato. Revista Veja Saúde, 22 abr 2025

Anvisa aprova medicamento para retardar avanço do Alzheimer
Paula Laboissière. Agência Brasil, 23 abr 2025

A New Alzheimer’s Drug May Be the Most Effective One Yet.
Alice Park. Time Magazine. Park, A. 2024.

Expert Guidance Issued for Real-World Use of Donanemab
Megan Brooks. Medscape. 2024).

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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – Jornalista – CTMM Medicina UFMG

(Atualizada em 30/04/2025, às 11h30)