Um estudo dos EUA acompanhou adultos por até cinco décadas para esclarecer como a atividade física regular influencia o desempenho cognitivo. Os autores descobriram que na meia-idade e na velhice há redução do risco de demência. No entanto, na juventude o hábito saudável não mostrou impacto direto na proteção exclusiva do cérebro
Se você já ouviu falar do fator protetivo do exercício sobre o cérebro, pode ter imaginado que uma caminhada diária seria suficiente para proteger sua memória. Mas um estudo publicado no JAMA Neurology, pela cientista Francesca Marino e colegas da Universidade de Boston, mostra que a história não é tão objetiva assim.
Segundo os autores, pessoas mais ativas apresentam melhor desempenho cognitivo e menor risco de demência, embora os efeitos da prática regular sejam discretos. O trabalho avaliou períodos da vida adulta e sua relação com o desempenho cognitivo, usando medições reais de movimento em vez de recordações do passado.
Isso importa porque o envelhecimento populacional pressiona a busca por estratégias realistas para retardar problemas cognitivos. O estudo traz nuances essenciais para calibrar expectativas e orientar políticas de promoção de saúde mais bem informadas.
Como o estudo foi feito
Os pesquisadores analisaram mais de 4 mil adultos, sendo 1526 participantes no início da vida adulta, 1943 na meia-idade e 855 na velhice. Todos voluntários do Framingham Heart Study Offspring Cohort. Seu nível de atividade física foi analisado em três momentos da vida adulta: juventude (26–44 anos), meia-idade (45–64) e velhice (65–88). Esses grupos foram acompanhados por até 37 anos para verificar quem desenvolveria demência.
O diferencial metodológico está nas medições repetidas de atividade física pelo Physical Activity Index, do dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), dos EUA. A metodologia reflete intensidade, frequência e duração das atividades relatadas.
Curiosamente, os indivíduos de meia-idade e idosos com os níveis mais altos de atividade física apresentaram risco de 41% e 45%, respectivamente, menor de demência. Isso, por todas as causas, em comparação com aqueles com os níveis mais baixos de atividade física. A diferença é estatisticamente significativa.
A atividade física no início da vida adulta não foi associada ao risco de demência. Também não houve associação entre atividade física na juventude e risco futuro de demência, mas esta hipótese precisa de estudos mais longos para ser confirmada.
Durante o seguimento, os participantes foram submetidos a testes neuropsicológicos. Eles também registraram possíveis diagnósticos de demência e ajustaram modelos para idade, sexo, escolaridade e condições clínicas relevantes. Eles também foram divididos em cinco faixas de atividade física, incluindo atividades leves, moderadas e intensas.
A genética foi outro fator que influenciou os resultados. Pessoas sem o gene APOE ε4, que é associado ao maior risco de desenvolver a doença de Alzheimer, tiveram redução do risco de demência maior do que quem não carrega o gene APOE ε4. Já os portadores se beneficiam principalmente na velhice.”mostraram efeitos mais fortes, enquanto portadores se beneficiaram principalmente na velhice.
Próximos passos
Por esses resultados, portanto, os cientistas recomendam que intervenções de saúde pública foquem na meia-idade, quando o exercício parece fazer mais diferença para o cérebro. A prática desde a juventude continua relevante por outros motivos de saúde. Como saúde cardiovascular, estabilizador de humor e menor risco de doenças metabólicas, que indiretamente influenciam o cérebro.
Ainda faltam respostas sobre os mecanismos: hipóteses incluem melhora da circulação, redução da inflamação e maior capacidade cerebral de adaptação às perdas naturais da idade. Estudos com acelerômetros e biomarcadores devem ajudar a preencher essas lacunas.
“Nossos resultados indicam que a atividade física na meia-idade e na velhice é o que mais pesa na redução do risco de demência”, escreveu a equipe liderada por Phillip Hwang, da Boston University.
O que os pesquisadores descobriram
Maior atividade física ao longo da vida adulta associou-se a melhor desempenho cognitivo e menor risco de demência. Os efeitos disso são mais visíveis entre as pessoas de meia-idade e idosos. Os resultados podem orientar esforços futuros, sem definir intervalos precisos nem faixas etárias ideais.
Por que isso importa
A atividade física traz benefícios, mas não é suficiente sozinha para evitar declínio cognitivo. Ainda assim, manter-se ativo continua recomendável, como parte de um conjunto maior de cuidados.
O que a ciência ainda não sabe
O estudo não define quanto de atividade é necessário ou qual tipo de exercício seria mais relevante. Afinal de conta, os efeitos da atividade física regular aparecem mais tarde na vida ou como fatores acumulados — ambiente, saúde vascular, educação — modulam essas associações. As possíveis janelas de interesse precisam de novas pesquisas.
Conclusão e impacto
O trabalho de Marino e colegas contribui para reposicionar a conversa sobre atividade física e demência. Os efeitos existem, mas são discretos. A narrativa de que exercício “impede” declínio cognitivo não se sustenta. Os resultados reforçam que políticas de promoção da saúde podem considerar a meia-idade e a vida adulta tardia como fases mais relevantes.
[Leia o artigo original]
Physical Activity Over the Adult Life Course and Risk of Dementia in the Framingham Heart Study
Francesca R. Marino, Chenglin Lyu, Yuqing Li, Tianyu Liu, Rhoda Au, Phillip H. Hwang JAMA Networking Aberto, Investigação Original, Neurologia, Vol. 8, Nº 11
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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG