Brasil tem a maior diversidade genética do mundo; revela sequenciamento genômico 

A diversidade étnica brasileira é a maior do mundo
Mais do que um traço cultural, a diversidade étnica do brasileiro foi cientificamente constatada em pesquisa. Como a arte imita a vida, a pintora Tarsila do Amaral abordou o tema em 1933, com esta tela, "Operários", representação da miscigenação de indígenas, colonizadores, pessoas escravizadas, migrantes e imigrantes de vários países e a industrialização - Reprodução

Publicado na Science, estudo lança nova luz sobre doenças, fertilidade e a miscigenação histórica do nosso país. Liderado pela geneticista Tábita Hünemeier, ele mostra como cinco séculos de cruzamentos genéticos moldaram o genoma e a saúde da população brasileira. Foram sequenciados 2.723 genomas, o que resultou em mais de 8 milhões de variantes genéticas no Brasil.


Uma equipe internacional liderada pela geneticista Tábita Hünemeier (USP e CSIC), bióloga com mestrado e doutorado em Genética e Biologia Molecular, com colaboração de universidades brasileiras e espanholas, sequenciou 2.723 genomas de todas as regiões do Brasil. O trabalho foi publicado em 15 de maio de 2025 na revista Science, na seção Population Genetics, e mostra que o Brasil tem a maior diversidade genética do mundo.

Considerada como a maior análise genômica já realizada na população brasileira, “um vasto país continental”, a pesquisa revela que nosso DNA carrega cicatrizes profundas da colonização, da escravidão e das assimetrias sociais do país.

Com mais de 8 milhões de variantes genéticas, até então desconhecidas, a pesquisa mostra como diferentes ondas migratórias, relações desiguais entre homens e mulheres de diferentes grupos étnicos e pressões de doenças infecciosas moldaram o que somos hoje — em saúde, fertilidade e metabolismo.

DNA é espelho da história brasileira

Mistura genética intensa e desigual

Os genomas brasileiros são um verdadeiro mosaico. Não é à toa que o Brasil tem a maior diversidade genética do mundo. Segundo os autores, a maior parte da população estudada apresenta cerca de 60% de ancestralidade europeia, 27% africana e 13% indígena. 

A análise dos cromossomos sexuais revelou que 71% dos homens analisados carregam linhagens europeias no cromossomo Y, enquanto 42% das mulheres têm linhagem mitocondrial africana e 35%, indígena. 

Mas não se engane: essa proporção esconde uma história brutal. 

A história genética do Brasil revela marcas profundas da violência sexual sistemática durante os primeiros séculos de colonização. Em outras palavras: colonizadores europeus, em sua maioria homens, tiveram filhos com mulheres africanas e indígenas, muitas vezes em contextos de violência.

A predominância de linhagens europeias no cromossomo Y — herdado por via paterna — e de linhagens africanas e indígenas no DNA mitocondrial — transmitido por via materna — evidencia um padrão histórico de estupros cometidos por homens europeus contra mulheres negras e indígenas. 

Esse desequilíbrio genético não é fruto de encontros consensuais, mas do uso da violência como ferramenta de dominação. Certamente, o dado genético reforça aquilo que historiadores e antropólogos já sabiam: a miscigenação no Brasil foi, em grande parte, forçada.

As consequências desse passado continuam vivas. Elas se manifestam tanto na saúde da população quanto nas desigualdades sociais e raciais do país. Seja como for, a violência sexual como prática colonial deixou marcas no corpo e no genoma de milhões de brasileiros, influenciando padrões de herança genética, prevalência de doenças e até respostas a tratamentos médicos. 

Reconhecer essa realidade não é apenas uma questão de justiça histórica, mas também de responsabilidade científica: entender como a estrutura social violenta do passado moldou nossa biologia é fundamental para desenvolver políticas de saúde mais justas e eficazes.

Além disso, após os primeiros séculos de colonização, predominou o chamado “acasalamento assortativo”, ou quando as pessoas passam a se casar dentro do próprio grupo étnico. Esse padrão, ainda presente, está ligado a fatores históricos e sociais, e deixa marcas visíveis no DNA.

Efeitos da miscigenação na saúde

Variantes raras e doenças comuns

Os pesquisadores descobriram mais de 36 mil variantes genéticas potencialmente prejudiciais à saúde, associadas a doenças metabólicas, cardiovasculares e infecciosas como malária, hepatite, tuberculose e leishmaniose. A saber, essas variantes estão distribuídas de forma desigual entre os grupos ancestrais. 

A ancestralidade africana, por exemplo, mostra correlação positiva com variantes raras. Já variantes novas e potencialmente danosas estão levemente associadas à ancestralidade indígena — o que pode estar ligado à sub-representação desses povos nos bancos genéticos globais.

Além disso, genes relacionados à fertilidade, imunidade e metabolismo mostraram sinais de seleção natural. O estudo sugere que, mesmo em poucos séculos, as pressões ambientais — como epidemias e escassez alimentar — deixaram marcas genéticas. 

Por exemplo, os genes identificados como ACSS1 (envolvido na imunidade que nasce conosco) e o MTMR3 (envolvido no metabolismo e na resposta imunológica), ajudam a nós, seres humanos, a sobreviver em ambientes adversos.

E agora? O que vem pela frente

Genética para o futuro da saúde pública

Com o banco genético gerado pelo projeto “DNA do Brasil”, abre-se uma nova fronteira para a medicina personalizada no país. Segundo os autores, entender como variantes associadas à ancestralidade afetam a saúde é essencial para melhorar políticas públicas, diagnóstico e tratamento. 

Por conseguinte, a pesquisa ainda indica caminhos para estudos sobre doenças raras que ocorrem com mais frequência no Brasil, como a doença de Machado-Joseph.

O estudo alerta, no entanto, que muitas dessas variantes continuam invisíveis nas pesquisas internacionais por causa da baixa representatividade de populações indígenas e africanas. É preciso mais investimento em ciência local, com participação ativa da sociedade brasileira.

Participação social e ciência responsável

A pesquisa publicada na Science exemplifica o tipo de ciência que o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (NeuroTec-R) promove: aberta, colaborativa e conectada às necessidades sociais. 

Certamente, ao explorar como ancestralidade e diversidade genética afetam a saúde, os cientistas reforçam princípios centrais da Pesquisa e Inovação Responsável (PIR): inclusão de diferentes vozes, equidade no acesso ao conhecimento e valorização da história local.

Com toda certeza, projetos como esse dialogam com os objetivos do NeuroTec-R de aproximar ciência e sociedade, especialmente em temas que envolvem genética, saúde mental e neurotecnologias.

Conclusão

DNA brasileiro sob nova luz: o que a maior análise genética da história revela sobre saúde, miscigenação e identidade

Em outras palavras, a diversidade genética da população brasileira é maior do que se pensava. Ademais, essa complexidade, construída ao longo de cinco séculos de encontros — nem sempre voluntários — entre indígenas, africanos e europeus, impacta diretamente nossa saúde. 

O que antes era invisível, agora está mapeado. Cabe a nós decidir como usar esse conhecimento. Afinal, é bom saber que o Brasil tem a maior diversidade genética do mundo. Agora é avançar na compreensão desse conhecimento.

Quer saber mais? Acesse o estudo completo.

[Leia o artigo original]

Admixture’s impact on Brazilian population evolution and health
Kelly Nunes et al.  Science/Population Genetics. V. 388, eadl3564, 15 de maio de 2025
DOI: 10.1126/science.adl3564

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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – Equipe CTMM – UFMG