Cérebro constrói a realidade que percebemos; ensina vídeo do Kurzgesagt

Um olho fazendo o movimento sacádico
Nossa visão de alta resolução está limitada a uma área do tamanho de uma miniatura. O resto da imagem fica fora de foco. Para compensar isso, nossos olhos fazem um movimento brusco e conjugado que desloca o centro do olhar de uma parte do campo visual para outra. Centenas de vezes. O movimento sacádico, ou sacada, serve principalmente para orientar o olhar em direção a um objeto de interesse - Reprodução Kurzgesagt

O canal YouTube Kurzgesagt, que se dedica a fazer animações de divulgação científica, publicou um vídeo sobre o modo surpreendente como o cérebro humano constrói a percepção daquilo que conhecemos como “realidade”. Descubra os “truques” da mente por meio dos quais o cérebro constrói a realidade que percebemos do mundo.


Você já se perguntou se enxerga o mundo como ele realmente é? Um vídeo do canal alemão de divulgação científica no YouTube Kurzgesagt – In a Nutshell (em tradução livre, “Resumidamente”), disponível com legendas em português, viralizou entre milhões de pessoas curiosas por entender como funciona a percepção humana.

Realidade como construção cerebral

Segundo o vídeo, não vemos o mundo diretamente. De fato o que ocorre é que o cérebro interpreta informações sensoriais e reconstrói a imagem da realidade com base em experiências anteriores, previsões e estímulos incompletos.

A visão, por exemplo, é nítida apenas em uma pequena área central da retina. Para contornar essa limitação, o cérebro desativa a percepção visual por instantes e edita a cena, criando uma imagem coerente e estável.

Esses movimentos rápidos dos olhos, chamados de sacadas oculares, ocorrem centenas de vezes por minuto. Durante essas sacadas, ocorre um fenômeno conhecido como cegueira sacádica. É nesse momento que o cérebro suprime a visão, mas é momentaneamente.

Por isso que em vez de vermos o mundo como uma série de “tremores visuais”, percebemos uma imagem fluida. Graças ao trabalho contínuo de reconstrução realizado pelo cérebro.

Experiências reais reforçam a ciência

Essas descobertas me fizeram lembrar de momentos extremos em que percebi, na prática, como o cérebro atua de forma surpreendente.

Quando eu era adolescente, fui atropelado por uma motocicleta. O impacto aconteceu de repente, e, no momento do acidente comecei a enxergar em flashes: céu, moto, asfalto, guarda-chuva. Cada imagem parecia congelada, como em fotografias. Depois, tudo voltou ao normal (Tranquilo! Saí praticamente ileso!)

Anos mais tarde, tomado de assalto, no momento de estresse extremo minha memória ganhou uma precisão incomum. Depois, na tentativa de relatar a ocorrência, fui capaz de me lembrar de detalhes de que certamente não me lembraria em uma situação comum: placas de carro, endereços, nomes, feições — tudo, com uma clareza impressionante.

Essas experiências me parecem ilustrar o que o vídeo afirma (e a literatura confirma). Acima de tudo, em situações de emergência nosso cérebro pode agir de forma descentralizada, ativando diferentes regiões de maneira quase autônoma.

No campo da pesquisa esse conhecimento pode influenciar o design de sistemas de inteligência artificial, com base no funcionamento descentralizado do cérebro humano.

O “agora” é uma ilusão

O vídeo, portanto, explica que a noção de o que seja “presente” é uma construção.

Como os estímulos chegam em momentos diferentes — som, luz, toque —, o cérebro atrasa a percepção por milissegundos para sincronizar as informações. Em outras palavras, aquilo que chamamos de “agora” é, na verdade, um evento passado que o cérebro reconstrói e apresenta como presente.

Um outro estudo publicado na revista Science Advances estima que esse “delay” é de cerca de 15 segundos em alguns contextos perceptivos.

Inegavelmente essa informação ajuda a entender melhor como nossa consciência opera de maneira não linear, combinando dados novos e antigos para gerar uma percepção coesa da realidade.

Impactos em neurociência e tecnologia

Ao revelar os mecanismos por trás da percepção, o vídeo mostra também que existem novos caminhos para a neurociência e para a neurotecnologia.

Dessa forma, compreender como o cérebro prevê, edita e reconstrói o mundo é essencial para o desenvolvimento de interfaces cérebro-máquina, realidades virtuais mais imersivas e terapias para transtornos sensoriais ou de memória, por exemplo.

Além disso, o funcionamento descentralizado do cérebro humano inspira modelos de inteligência artificial que buscam imitar a flexibilidade e adaptabilidade da mente humana.

É bom registrar que os vídeos do Kurzgesagt não expressem necessariamente a visão do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (NeuroTec-R). No entanto, a relevância de seu papel na promoção da educação científica global é visível e elogiável.

O cérebro: a máquina mais sofisticada

Em 2017, a revista Superinteressante abordou esse mesmo fenômeno, descrevendo o cérebro como “mais poderoso do que qualquer supercomputador — e com consumo de energia menor que o de uma lâmpada.” Ou seja, os autores, os jornalistas Bruno Garattoni, Alexandre de Santi e Sílvia Lisboa, abordaram o mesmo fenômeno, destacaram a capacidade de o cérebro interpretar, prever e se adaptar ao ambiente em tempo real.

O vídeo oferece uma viagem instigante pela neurociência da percepção. Ao mostrar que nossa realidade é uma construção ativa e subjetiva, o público tem a oportunidade de compreender um pouco melhor o processo neurológico que envolve a nossa relação com o mundo.

Pesquisas voltadas para a criação de novas neurotecnologias

O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (NeuroTec-R) defende uma ciência comprometida com a ética e a educação científica. O NeuroTec-R defende uma ciência comprometida com a ética, a educação e a integridade mental dos indivíduos. Entender como nossa percepção é construída — e reconstruída — é essencial para o avanço de tecnologias que respeitem os limites e a complexidade da mente humana.

O conceito de Pesquisa e Inovação Responsáveis (PIR), adotado pelo nosso Instituto, envolve compreender os mecanismos que moldam nossa percepção pode ajudar na compreensão da relevância do desenvolvimento de pesquisas voltadas para a criação de tecnologias nesse campo, desde que elas respeitem a integridade mental dos indivíduos.

Kurzgesagt: ciência, curiosidade e animação

Um canal de vídeos que combina ciência, storytelling, design e animações de alta qualidade, Kurzgesagt se tornou referência em entretenimento educativo (ou edutainment). Milhões de espectadores são engajados, desde 2013, por meio uma metodologia que eles chamam de “niilismo otimista”, reconhecendo limitações humanas enquanto celebra o conhecimento como fonte de esperança e avanço. Embora possua versões em diversos idiomas (inclusive em português), a versão em inglês oferece legendas em português.

O canal se destaca por apresentar informações que estimulam a curiosidade e promovem o pensamento crítico sobre ciência, humanidade e o futuro. Segundo os próprios produtores dos vídeos, a abordagem se baseia no “niilismo otimista”, termo da filosofia que se refere a reconhecer os limites humanos e ao mesmo tempo celebrar o conhecimento como caminho de esperança.

Leia artigos complementares

7 mistérios do cérebro – e as respostas da ciência para eles
Bruno Garattoni, Alexandre de Santi e Sílvia Lisboa
Revista Superinteressante. Outubro/2017

Illusion of visual stability through active perceptual serial dependence
Mauro Manassi e David Whitney
Science Advances. Janeiro/2022. Vol 8, Issue 2. DOI: 10.1126/sciadv.abk2480

YouTube “Em Poucas Palavras” (Versão do Kurzgesagt, em português

Assista ao vídeo da Kurzgesagt

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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – Jornalista – CTMM Medicina UFMG