Descubra o que os vídeos curtos fazem com seu cérebro

O que vídeos curtos fazem com seu cérebro
Estratégias de autorregulação para limitar o tempo de assistir vídeos (ou jogos) e intercalar atividades digitais com interações sociais presenciais são recomendações básicas, Compulsividade por vídeos curtos pode levar a problemas anatômicos, cognitivos, emocionais, podendo até ter relação com inveja - Imagem de sik92 de Pixabay

Pesquisa avaliou impactos do uso excessivo de plataformas de vídeos, como TikTok e Instagram, e identificou regiões associadas à compulsão digital. Além disso, os cientistas também buscaram identificar mecanismos cerebrais que permitem a percepção e a assimilação de dados nos contextos investigados.


O consumo excessivo de vídeos curtos é caracterizado como ‘vício em vídeos curtos’, ou Short Video Addiction (SVA). E esse comportamento tem despertado preocupações entre cientistas e formuladores de políticas públicas. 

Um estudo conduzido por cientistas da Universidade Tianjin Normal, com participação de membros de instituições parceiras na China e nos Estados Unidos, procurou identificar os aspectos neurobiológicos desse fenômeno.

Os resultados, publicados na revista científica NeuroImage, em fevereiro de 2025, relacionam a assimilação dos dados coletados nos contextos investigados, anatômicos e funcionais da dependência de vídeos curtos, associadas ao comportamento compulsivo nessas plataformas.

Primordialmente, um fato curioso é a recomendação dos pesquisadores de que estratégias de autorregulação sejam incentivadas. Acima de tudo, limitar o tempo de uso das plataformas e intercalar atividades digitais com interações sociais presenciais, dentre elas.

Seria a proibição de uso de celulares nas salas de aula brasileiras uma estratégia para buscar colocar limite de uso e estabelecer momentos de interação presencialmente no horário de aulas? O que você acha? Conta pra gente…

Volume da matéria cinzenta 

Utilizando técnicas avançadas de neuroimagem, os pesquisadores examinaram as mudanças na anatomia cerebral de 111 universitários, que apresentaram níveis variados de dependência de vídeos curtos. 

Os resultados alertam para o risco do uso excessivo de plataformas de vídeos curtos. Inegavelmente, esse risco foi ainda maior entre adolescentes e jovens adultos, grupo mais vulnerável aos impactos cognitivos e emocionais dessa prática. 

O abuso dessas plataformas também está ligado a modificações no volume da matéria cinzenta. Além disso, também tem relação com a atividade funcional de regiões envolvidas no processamento de recompensas e controle cognitivo.

Isso, mesmo. Até a matéria cinzenta do cérebro sobre alterações, segundo os pesquisadores, nas pessoas com maior propensão ao ‘vício em vídeos curtos’, ou SVA. E essa alteração anatômica ocorre tanto no córtex orbitofrontal quanto no cerebelo, estruturas que participam dos processos de regulação emocional e de tomada de decisões. 

Já as análises funcionais revelaram maior atividade espontânea em diferentes áreas do cérebro: córtex pré-frontal dorsolateral, córtex cingulado posterior, cerebelo e no polo temporal. Essas regiões, por sua vez, estão envolvidas no controle da atenção e no processamento de emoções.

“Observamos que esses padrões cerebrais são semelhantes aos encontrados em outros tipos de dependências comportamentais, como o vício em jogos digitais e redes sociais”, afirmam os autores do estudo. De acordo com o artigo, isso sugere que o SVA pode compartilhar mecanismos neurobiológicos comuns com outros transtornos de compulsão digital.

O papel da genética e da personalidade

Na amostra analisada neste estudo, pessoas com maior tendência ao uso compulsivo de vídeos curtos, segundo os autores, também apresentaram maior propensão à inveja disposicional (o termo vem da psicologia social). Ou seja, trata-se de um traço de personalidade que reflete maior sensibilidade à comparação social.

Além disso, a pesquisa mostrou que a educação também pode influenciar esse comportamento. Isso sugere que o ambiente familiar também é importante na regulação do uso das plataformas de vídeos curtos.

A pesquisa analisou ainda a expressão de genes ligados ao volume da matéria cinzenta. Com efeito, a expressão gênica é o processo pelo qual a informação presente em um gene é utilizada para produzir uma molécula funcional. A saber, todo gene é composto por uma sequência de DNA, que por sua vez fornece instruções para a fabricação dos produtos que a célula precisa.

Foram identificados genes que regulam a função de neurônios excitatórios e inibitórios, influenciando diretamente a forma como as informações são processadas no cérebro.

No entanto, essa relação genética pode indicar que algumas pessoas têm predisposição biológica para desenvolver comportamentos compulsivos em resposta ao consumo de vídeos curtos.

Ou seja, os achados reforçam a ideia de que fatores genéticos e psicológicos contribuem para que algumas pessoas sejam mais suscetíveis ao vício nesse tipo de vídeo. A identificação de genes relacionados a essa compulsão pode abrir caminho para novas abordagens terapêuticas e preventivas.

Uso abusivo de dispositivos digitais pode prejudicar saúde mental

No Centro de Tecnologia em Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da UFMG, que hospeda o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (NeuroTec-R), os cientistas certamente também têm pesquisado a relação entre dispositivos digitais e saúde mental.

Lideradas pela professora Debora Marques de Miranda, foram avaliadas a relação entre uso excessivo de telas e o aumento de sintomas como depressão e ansiedade, com o propósito de esclarecer ainda mais a questão.

Junto com seus colaboradores, a psicóloga e doutora em Saúde da Criança e do Adolescente Hunayara Lorena Sousa Tavares analisou relatos dos pais. Ela centrou estudos sobre os efeitos do uso excessivo de telas e a dependência de videogames sobre o aumento de sintomas emocionais em crianças e adolescentes. Nesse sentido, os resultados comprovam que o abuso dessas tecnologias está diretamente associado ao agravamento de sintomas emocionais. Também há impacto sobre o bem-estar e o desenvolvimento dos jovens.

Em outro estudo, a terapeuta ocupacional Renata Marias Santos analisou 142 pesquisas, envolvendo mais de dois milhões de pessoas. Os grupos eram oriundos de diferentes países. Ademais, 17 pesquisas reuniram cerca de 70 mil idosos. O uso excessivo de telas está ligado a uma piora da saúde mental de seus usuários, independentemente da idade. Contudo, entre crianças, 72% tiveram aumento da depressão. “Limitar o tempo de tela não é suficiente”, alerta a doutora em Medicina Molecular e pesquisadora do NeuroTec-R.

A saber, tanto a pesquisa estrangeira quanto as duas do NeuroTec-R mostram a necessidade do equilíbrio no tempo de uso de telas. O objetivo é evitar efeitos negativos à saúde mental. Renata Santos alerta, da mesma forma que os pesquisadores da universidade chinesa: “o grande desafio está em enriquecer o tempo fora das telas. E, com isso, manter a mente ativa e engajada com o mundo real”.

O Neurotec-R

Visto que o NeuroTec-R é um centro de pesquisa vinculado ao Programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (Programa INCT), ele é voltado à pesquisa e inovação responsável em neurotecnologia. 

Ou seja, este projeto visa desenvolver um site que possa ser um veículo de diálogo e de aproximação entre a ciência e a sociedade. Contudo, ao passo em que estudos avançados são desenvolvidos são disseminados conhecimentos científicos, de forma acessível e direta.

Quer saber mais? Acesse o artigo completo publicado na NeuroImage e compartilhe esta descoberta com seus amigos!

Leia o artigo original

Neuroanatomical and functional substrates of the short video addiction and its association with brain transcriptomic and cellular architecture
Gao, Y., Hu, Y., Wang, J., Liu, C., Im, H., Jin, W., Zhu, W., Ge, W., Zhao, G., Yao, Q., Wang, P., Zhang, M., Niu, X., He, Q., & Wang, Q.
NeuroImage, 307, 15 de fevereiro de 2025. Clique aqui para acessar o artigo

https://doi.org/10.1016/j.neuroimage.2025.121029

Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG (Perfil)