Estudo robusto realizado nos EUA conclui que profissionais especializados e uso de métodos rigorosos são primordiais para a devida avaliação dos sinais de alerta do neurodesenvolvimento. Entenda por que isso preocupa e o que fazer.
Em todo o mundo há relatos de um aumento exponencial de casos de autismo. Mas, uma pesquisa recém-publicada no Journal of Autism and Developmental Disorders, na seção Artigo Original, acendeu um alerta importante: existe erro de diagnóstico e ele pode ser de cerca de 50% dos casos.
O estudo analisou 232 crianças, de 7 a 12 anos, com diagnóstico prévio de transtorno do espectro autista (TEA). A saber, todos feitos fora do ambiente acadêmico. Quando essas crianças passaram por uma nova avaliação, detalhada, usando critérios científicos e conduzida por especialistas, o resultado foi de que 47% delas não preenchiam os critérios clínicos para o diagnóstico.
Ou seja, quase a metade dos participantes não teve o diagnóstico de autismo confirmado.
Conduzido pela neuropsicóloga Susanne Duvall, da Oregon Health & Science University (OHSU), uma das autoras, o objetivo do trabalho foi justamente checar a precisão desses diagnósticos feitos na comunidade, ou seja, fora dos centros especializados.
E o problema disso vai muito além de um simples erro no “rótulo”, de autista. Um diagnóstico errado pode mudar completamente a trajetória da criança, gerar ansiedade nas famílias, pressionar os serviços de saúde e de educação desnecessariamente. Além disso, pode comprometer a própria produção científica. Afinal, como entender um fenômeno se parte dos dados analisados não corresponde à realidade?
Para evitar distorções, os pesquisadores aplicaram protocolos de avaliação reconhecidos internacionalmente, como o Autism Diagnostic Observation Schedule-Second Edition (ADOS-2) e a Autism Diagnostic Interview-Revised (ADI-R). Ambos, considerados “padrão-ouro” no diagnóstico de TEA — ou seja, são referência como método diagnóstico disponível — , desde que aplicados por profissionais treinados e certificados.
O que fazer quando tudo parece autismo
O que o estudo de Susanne Duvall e seus colegas nos mostra, com dados robustos, portanto, é que fazer diagnóstico de autismo exige equipe especializada, entrevista cuidadosa e testes clínicos bem aplicados. Cada caso precisa ser avaliado com atenção e critérios.
Confiar apenas em formulários ou na opinião de um só profissional não é prudente. Ferramentas que se baseiam em relatos de pais ou cuidadores, como a Escala de Responsividade Social (SRS-2), também são pouco eficazes em diferenciar quem realmente tem TEA de quem não tem.
A pesquisa alerta ainda para a prática comum — nos EUA — de considerar diagnósticos escolares como se fossem médicos. Isso pode gerar uma bola de neve, criando o que os pesquisadores chamam de “momentum diagnóstico”: um erro inicial que vai se perpetuando a cada nova consulta.
Muitos sinais parecidos com os do autismo podem ser explicados por outras condições, como ansiedade, hiperatividade ou dificuldades comportamentais. Um exemplo disso é que, no estudo, o grupo “sem TEA” apresentava, em média, QI mais elevado e mais transtornos psiquiátricos associados, como ansiedade e distúrbios de comportamento. Ou seja: os sintomas até existiam, mas tinham origem em outros problemas.
O desempenho só foi melhor, mesmo, quando o diagnóstico foi emitido a partir da análise de instrumentos aplicados por profissionais especializados. No entanto, nessa pesquisa, o ADI-R também apresentou limitações.
Por que isso afeta todo mundo?
Um diagnóstico errado pode fazer com que a criança receba intervenções que não precisa, enquanto quem realmente tem autismo espera na fila. Isso vale para serviços de saúde, educação e programas de apoio.
E tem mais: pesquisas populacionais que usam dados médicos ou escolares podem superestimar a prevalência de TEA. Isso distorce estatísticas e atrapalha políticas públicas.
Mas, atenção: o autismo existe!
É fundamental deixar claro — e os próprios autores reforçam isso — que o estudo não sugere, em hipótese alguma, que o autismo não exista. Tampouco que diagnósticos devam ser colocados em dúvida. Pelo contrário!!
O alerta é específico: diagnosticar transtorno do espectro autista exige conhecimento técnico, formação específica e uso criterioso de ferramentas adequadas, conduzidas por profissionais com treinamento especializado.
Isso é especialmente importante porque os instrumentos baseados apenas no relato dos cuidadores — por mais bem-intencionados que sejam — não foram eficientes para distinguir quem realmente estava no espectro de quem não estava.
Portanto, o que o estudo revela é que, nos Estados Unidos, muitos diagnósticos feitos na comunidade, que em outras palavras significa que foram feitos fora dos centros especializados, acabaram sendo atribuídos sem a devida confirmação clínica. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando profissionais menos experientes tentam acelerar o acesso da criança a serviços educacionais ou terapêuticos — algo que, embora bem-intencionado, não segue os critérios técnicos necessários.
Portanto, os pais devem confiar em diagnósticos sérios. A recomendação dos autores é justamente que se busque serviços especializados, onde serão feitas avaliações detalhadas. Usando instrumentos clínicos validados pela comunidade científica. Isso é especialmente relevante quando há dúvidas, quando o desenvolvimento da criança não segue o esperado ou quando surgem sinais de alerta.
Em resumo, o estudo é um chamado à responsabilidade profissional — não um convite ao negacionismo.
Diagnóstico preciso é ferramenta poderosa
O diagnóstico de autismo é uma ferramenta poderosa para garantir apoio, compreensão e desenvolvimento adequado. Mas, como toda ferramenta poderosa, ele precisa ser bem usado — por quem entende do assunto.
Segundo a Secretaria de Atenção Primária do Ministério da Saúde do Brasil, “a identificação de atrasos no desenvolvimento, o diagnóstico oportuno de TEA e encaminhamento para intervenções comportamentais e apoio educacional na idade mais precoce possível, pode levar a melhores resultados a longo prazo, considerando a neuroplasticidade cerebral”.
No entanto, é necessário ter o máximo cuidado e garantir a precisão desse diagnóstico, sempre atento à capacitação do profissional que atende sua criança. Quando esse processo analítico falha, sua conclusão se equivoca. E, dessa forma, não é só a criança que pode sair perdendo, por se submeter a tratamentos e a condutas desnecessários, mas também o sistema, a ciência e a sociedade.
Este alerta, portanto, dialoga com os princípios do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (NeuroTec-R), que defende não só o uso ético da neurotecnologia, mas também a participação ativa da sociedade na construção de saberes e práticas baseadas em evidência.
[Leia o texto original]
Factors Associated with Confirmed and Unconfirmed Autism Spectrum Disorder Diagnosis in Children Volunteering for Research
Susanne W. Duvall, Rachel K. Greene, Randi Phelps, Tara M. Rutter, Sheila Markwardt, Julia Grieser Painter, Michaela Cordova, Beth Calame, Olivia Doyle, Joel T. Nigg, Eric Fombonne, Damien Fair.
Publicado na Journal of Autism and Developmental Disorders, volume 55, páginas 1660–1672, 2025.
Leitura complementar: Site Spectrum / The Transmitter
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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG