Estamos vivendo mais, com limitações neurológicas duradouras; Longevidade apresenta a conta

Novo mapa global mostra mais anos de incapacidade neurológica;
A carga de doenças e distúrbios neurológicos aumentou ao longo de 30 anos, mesmo com queda da mortalidade (www.freepik.com)

Análise de estudo global revela avanço contínuo de 37 condições neurológicas e mostra que bilhões de pessoas são obrigadas a conviver com dificuldades tais como, para caminhar ou usar as mãos, perda de memória, dores, tremores, crises convulsivas, déficits sensoriais e problemas de comunicação ou comportamento.


Durante muito tempo, a saúde pública viu a longevidade como sinônimo de “progresso”. Porém, dois artigos recentes fizeram uma análise do Estudo Global da Carga de Doenças (GBD, da sigla em inglês) e determinam mudanças nesse enredo. Segundo o estudo de Steinmetz e colaboradores, publicado na The Lancet Neurology, o “viver mais não é garantia nenhuma de viver bem”.

Eles mediram, em 204 países e territórios, se houve perda de saúde causada por 37 condições neurológicas. Desde distúrbios do neurodesenvolvimento até declínio cognitivo pós-covid-19. O que eles observaram é que existe um padrão que se repete, em todas as regiões do mundo.

A trajetória que antes parecia vitória absoluta da medicina, agora revela outro lado: dor crônica, limitações motoras, alterações cognitivas e dependência prolongada, são os transtornos mais comuns. Essa mudança afeta bilhões de pessoas e pressiona sistemas de saúde pouco preparados para lidar com vidas mais longas, mas menos autônomas.

Já em outro estudo, realizado somente nos Estados Unidos, Schumacher e colaboradores, na JAMA Neurology, encontraram o mesmo paradoxo: 180 milhões de pessoas, entre a população de 332,7 milhões, vivem com alguma condição neurológica. E os anos vividos com uma incapacidade aumentaram consideravelmente. Longevidade, portanto, trouxe impactos que o olhar tradicional, focado apenas em mortes, não captava.

O problema aparece, mas o mundo hesita em ver

O GBD existe há mais de 30 anos e foi criado para oferecer medições comparáveis e abertas sobre saúde global. Entretanto, os estudos anteriores avaliavam apenas 15 condições neurológicas, deixando de fora distúrbios neonatais, congênitos e várias infecções que causam dano ao sistema nervoso. Esse recorte subestimava a carga real.

Agora, com a inclusão das 37 condições, os dados revelam o que muitos governos não queriam enxergar: a incapacidade cresce de forma constante e silenciosa. Mesmo assim, políticas públicas continuam a medir apenas mortes, ignorando anos vividos com limitação — um indicador que explica, de fato, a qualidade de vida das populações.

Quando sobreviver não resolve o problema

Por muito tempo, sobreviver a um AVC era considerado um sucesso absoluto. Porém, o estudo mostra um custo associado: mais anos vivendo com sequelas. O mesmo acontece com demências, epilepsias, neuropatia diabética, enxaquecas e danos cognitivos pós-infecção.

Essa recusa em admitir o problema tem preço. Sistemas de saúde seguem estruturados para tratar crises agudas, não para sustentar décadas de reabilitação. Famílias assumem cuidados intensos. Mercados de trabalho absorvem menos pessoas com limitações. E países gastam mais sem necessariamente melhorar resultados.

Retrato de 204 países

O banco de dados do GBD integra bases hospitalares, registros vitais, pesquisas de saúde, vigilância epidemiológica, autópsias verbais e modelos estatísticos avançados. Ele não utiliza uma “amostra média”, mas combina múltiplas fontes para estimar prevalência, mortalidade e incapacidade.

Esse método permitiu comparar regiões ao longo de três décadas e fazer correções importantes:

  • incluir distúrbios do neurodesenvolvimento segundo a classificação ICD-11;
  • adicionar quadros neonatais, congênitos e infecciosos antes ignorados;
  • identificar fatores de risco específicos;
  • quantificar carga em DALYs (anos perdidos + anos vividos com incapacidade).


Neste gráfico, adaptado do artigo que analisou o GBD, fica visível o crescimento contínuo das condições neurológicas ao longo de três décadas e em 204 países e territórios – Fonte: Gregory Esper et al., JAMA Neurology, 24 novembro 2025


Os autores reconhecem limitações: falta de dados para doenças raras e variação de qualidade entre países. Mesmo assim, afirmam que o GBD permanece a ferramenta mais abrangente e comparável disponível.

O que o novo mapa revela

Os números são expressivos. Bilhões convivem com enxaqueca, AVC, autismo, epilepsia, neuropatia diabética, demências e sequelas infecciosas. As condições do neurodesenvolvimento, antes subestimadas, representam parte significativa da carga precoce. Já as doenças degenerativas dominam as faixas etárias mais altas.

Embora algumas mortes tenham diminuído, os anos vividos com incapacidade subiram. Isso significa que as pessoas vivem mais, mas com limitações crescentes, e durante mais tempo.

Incapacidade neurológica = perda de autonomia provocada por alterações no cérebro, medula ou nervos periféricos.

E isso pode aparecer de quais formas?

  • dificuldade para caminhar ou usar as mãos
  • perda de memória ou atenção
  • dor intensa (como enxaqueca crônica)
  • tremores, fraqueza, espasticidade
  • crises convulsivas
  • déficits sensoriais
  • problemas de comunicação ou comportamento

É esse conjunto de limitações — físicas, cognitivas e sensoriais — que o GBD mede ao calcular “anos vividos com incapacidade” ligados a condições neurológicas.

Superação: autores indicam como caminho

Os estudos apresentam saídas possíveis:

  • prevenir AVC por meio do controle de fatores de risco;
  • melhorar manejo do diabetes para reduzir neuropatias;
  • ampliar vacinação contra meningite;
  • fortalecer diagnóstico precoce de distúrbios neurológicos;
  • investir em reabilitação contínua;
  • ampliar vigilância epidemiológica neurológica.

É um convite para reorganizar sistemas de saúde em torno não só da sobrevivência, mas da capacidade funcional.

Se o mundo vive mais, precisa viver melhor

O GBD impõe uma virada conceitual: contar mortes não basta. Medir incapacidade revela o que realmente determina a qualidade de vida. Essa agenda se conecta ao trabalho do NeuroTec-R, que investiga soluções tecnológicas, acessíveis e responsáveis para reduzir o impacto neurológico nas próximas décadas.

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[Leia o artigo original]

Global, regional, and national burden of disorders affecting the nervous system, 1990–2021
Steinmetz et al. The Lancet Neurology, 2024

US Burden of Disorders Affecting the Nervous System.
Schumacher et al. JAMA Neurology, 2025

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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG