Pare pra pensar! Mensagens que você responde a todo momento afetam sua produtividade (e a inovação)

Mensagens instantâneas afetam sua produtividade e sua saúde mental
O artigo usa uma comparação para exemplificar o quão grande é o volume de trabalho: "imagine alguém trabalhando ao lado de uma caixa de correio, abrindo e respondendo cada carta assim que chega, enquanto tenta realizar seu trabalho principal" - Imagem ilustrativa Creativeart/Freepik

Editorial da Nature chama a atenção para o fato de que a pressão por produtividade contínua e o uso sem controle das tecnologias de comunicação rouba dos cientistas o tempo para pensar. E como final de um ano é época de planejar mudanças, a consciência disso pode influenciar a governança de um projeto científico ou de vida. Pare pra pensar que as mensagens que você responde a toda hora afetam sua produtividade, sua saúde mental e ainda impactam na inovação produzida. Leia mais.


A ciência moderna enfrenta um paradoxo. Está sendo sufocada por um mar de distrações digitais, ao mesmo tempo em que vê crescer o número de pesquisas realizadas em todo o mundo. O alerta foi o tema central que a Nature escolheu para seu editorial, publicado em julho de 2024. 

Editorial é um texto de cunho jornalístico e opinativo que expressa o 
posicionamento institucional de uma publicação sobre temas atuais,
relevantes e controversos. Escrito pelo editor, é impessoal e não é assinado.

Como no final de um ano é costume planejar as ações do próximo, achamos importante refletir a respeito e inspirar mudanças que podem influenciar na governança de um projeto, um princípio primordial para a Pesquisa e Inovação Responsáveis (PIR).

O impacto das distrações

O artigo da Nature segue a premissa de que existe um sentimento comum, em muitos locais de trabalho, de que a produtividade deve sempre aumentar. A análise desse cenário se baseia principalmente no livro de Cal Newport, cientista da computação e autor de Slow Productivity: The Lost Art of Accomplishment Without Burnout (em tradução livre, “Produtividade lenta: a arte perdida da realização sem burnout”). 

O texto cita outro editoria, de 2023, em que a revista questiona se “a ciência está se tornando menos disruptiva”. O texto argumenta que, apesar do aumento de publicações e concessões de subsídios, a inovação não está crescendo no mesmo ritmo.

A constante interrupção para ler e-mails e outras mensagens, ou para conversar por videochamadas, por exemplo, apesar de indispensáveis para acelerar processos, afeta diretamente a concentração e a qualidade do trabalho executado. Se acrescentarmos os alertas das redes sociais e os problemas pessoais e familiares que todos temos, o cenário imaginado é assustador. 

Como exemplo, o autor usa a metáfora de alguém trabalhando ao lado de uma caixa de correio físico. “Imagine abrir e ler cada carta assim que ela chegar, e começar a compor uma resposta, mesmo quando mais cartas passam pela caixa”. E tudo isso enquanto o profissional tenta fazer seu trabalho principal, provoca o autor. 

Esse “ruído” não só atrapalha a concentração, mas também compromete tarefas essenciais, como planejar projetos, revisar dados e redigir artigos científicos. Para Newport, estabelecer limites e focar no tempo de pensar é vital para a produtividade real.

Por que o “tempo de pensar” é essencial?

Reflexão sem interrupções é o motor da inovação científica. Entretanto, poucas instituições reconhecem ou incentivam essa prática em suas métricas. Muitas vezes, eficiência é medida pelo tempo de resposta a mensagens, deixando de lado a profundidade do trabalho intelectual.

Além disso, os pesquisadores enfrentam uma difícil escolha: responder demandas imediatas ou avançar em suas pesquisas. Essa dinâmica prejudica a qualidade científica, contribuindo para um cenário de esgotamento.

Newport reconhece que implementar essas mudanças é mais fácil em ambientes industriais do que em laboratórios. Muitas vezes os espaços acadêmicos sentem a falta de orçamento e de estruturas administrativas. Mas essa governança é importante para garantir respostas de excelência. Por isso, o alerta: Pare pra pensar que o excesso de comunicação online afeta sua produtividade, sua saúde mental e a inovação.

Como enfrentar o desafio?

Estratégias práticas podem reverter esse quadro. Newport sugere limitar tarefas simultâneas, reservar horários específicos para comunicação e implementar sistemas de governança mais transparentes, ajustando cargas de trabalho conforme necessário.

O texto cita também a visão de Felicity Mellor, pesquisadora e diretora da Unidade de Comunicação Científica do Imperial College London. Cética, Mellor acredita que a mudança é muito mais complexa do que apenas incluir um “tempo de pensar” nas métricas institucionais.

Segundo ela, poderia ser percebido como mais uma “exigência burocrática”, em vez de uma solução genuína. Por isso ela defende mudanças estruturais profundas, incluindo uma revisão radical no modelo de financiamento da ciência.

A solução, na visão da pesquisadora, passa por “criar uma cultura de pesquisa mais solidária”. A mudança deve ser fundamental, com uma radical mudança do atual modelo de financiamento para a pesquisa acadêmica, juntamente com mudanças em outros aspectos da ciência.

A contribuição da inteligência artificial

Outro ponto levantado no artigo é o impacto das tecnologias de inteligência artificial. Ferramentas que automatizam tarefas administrativas têm potencial para liberar mais tempo para pensar. Contudo, é crucial avaliar se esses avanços não geram outras questões complexas.

Proteger o tempo de reflexão em um mundo hiperconectado é urgente. Estudos adicionais sobre o impacto das tecnologias de comunicação na ciência podem guiar decisões mais conscientes. Em consequência, isso pode devolver aos pesquisadores o espaço necessário para a reflexão. 

Pare pra pensar! Por outro lado, lembre-se sempre de que o excesso de comunicação online afeta sua produtividade, sua saúde mental e a inovação.

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Leia o artigo completo:
Scientists need more time to think
Publicado na Nature (vol. 631, 25 de julho de 2024, p. 709).
Acesse o texto original aqui

Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG

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