Uma lista dos ensaios clínicos que podem bombar este ano foi publicada na Nature Medicine. Dentre outras questões, o texto traz alento e esperança. Os editores da revista científica foram atrás de pesquisadores respeitados e pediram que falassem de suas pesquisas mais promissoras. Radiofármacos, terapia genética para anemia falciforme e ferramentas digitais para diagnóstico de câncer e de transtornos mentais, estão entre as onze iniciativas.
A revista Nature Medicine publicou um artigo no qual compila uma lista com “Onze Ensaios Clínicos que Moldarão a Medicina em 2025”. Todas as pesquisas citadas são inovadoras e certamente têm potencial para revolucionar diagnósticos e tratamentos, além de sua conclusão estar prevista para 2025.
Referindo-se ao ano passado, o texto destaca os medicamentos para redução de peso, chamados de “vencedores de 2024”. De fato houve avanços – altamente eficazes – no tratamento da obesidade, um problema de saúde pública global crescente. “A obesidade certamente será uma prioridade para 2025”, afirma a revista.
No intuito de tentar antecipar os vencedores de 2025, o texto demonstra consciência da dificuldade de prever “quais outras descobertas atrairão a atenção da indústria biomédica”. A seleção expressa no texto do artigo reflete uma gama representativa dos desafios para os quais cientistas do mundo todo buscam soluções inovadoras.
Aqui no Brasil, analogamente os pesquisadores do Instituto de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (NeuroTec-R) também desenvolvem soluções – outras – em alguns dos assuntos abordados (Conheça nossas pesquisas!).
Um resumo dos desafios urgentes da humanidade
O texto nos leva a imaginar um futuro onde tratamentos são moldados especificamente para “você”. Com a terapia genética para doenças priônicas, por exemplo, pacientes podem ter esperança de tratamentos eficazes para condições neurodegenerativas antes incuráveis.
A nutrição personalizada, investigada pelo projeto Nutrition for Precision Health, pode oferecer dietas exclusivas para o seu perfil genético. Desse modo, isso ajudaria na prevenção de doenças como diabetes e obesidade.
Para quem enfrenta desafios de saúde mental, o uso de canabidiol (CBD) no estudo STEP, traz a possibilidade de prevenir transtornos psicóticos com menos efeitos colaterais.
Intervenções ambientais e nutricionais, como telhados reflexivos e hortas caseiras, por sua vez, reforçam a necessidade de estratégias preventivas com o fim de minimizar os efeitos das mudanças climáticas e da insegurança alimentar.
E não para por aí: ferramentas digitais, como chatbots multilíngues para triagem de câncer do colo do útero, podem facilitar o acesso ao diagnóstico precoce, principalmente em comunidades com barreiras linguísticas. Essas inovações prometem tornar os cuidados de saúde mais eficazes e personalizados para todos.
Para saber um pouco mais sobre cada ensaio, veja abaixo. E, conta pra gente, se ficou faltando alguma coisa que você queria ter visto por aqui, ou o que você pensa disso tudo!
Gene terapia para doenças priônicas (1)
As doenças priônicas, embora não sejam classificadas como ultrarraras, ainda não possuem tratamentos eficazes. O ION-717 é um oligonucleotídeo antisense desenvolvido pela Ionis Pharmaceuticals, cujo objetivo é inibir a produção da proteína priônica. Essa molécula está associada à progressão da doença.
Em fase avançada de testes clínicos (fase 1/2), os cientistas buscam avaliar segurança, tolerabilidade e de sua farmacocinética (é o estudo do movimento que o fármaco faz dentro, através e fora do corpo). Com 16 centros de pesquisa ao redor do mundo, o recrutamento de voluntários tem sido acelerado pelo engajamento da comunidade de pacientes.
A intervenção precoce pode preservar a função cerebral. Quanto antes o tratamento for iniciado, maior a chance de retardar o avanço da doença, afirma o artigo. A expectativa da comunidade científica é que os achados não apenas tragam novas perspectivas para os pacientes, mas também impulsionem pesquisas sobre outras doenças neurodegenerativas. O ION-717 pode representar um marco na busca por terapias inovadoras contra essas condições.
Texto original por Sonia Vallabh, líder sênior de grupo no The Broad Institute do MIT e Harvard, Cambridge, MA, EUA.
Nutrição personalizada em uma coorte diversa (2)
O projeto Nutrition for Precision Health busca entender como genética, microbioma e outros fatores influenciam a resposta individual aos alimentos. Para isso, planeja inscrever 8.000 participantes adultos, cada um contribuindo por aproximadamente duas semanas. Os primeiros dados devem sair no início de 2025.
Os voluntários farão avaliações de suas dietas, fornecerão amostras biológicas e utilizarão dispositivos para monitorar respostas fisiológicas. De certo, essa abordagem intensiva será de curto prazo, visando coletar dados detalhados sobre como diferentes indivíduos respondem a diversos alimentos.
Os achados, portanto, podem levar à criação de dietas personalizadas, revolucionar as recomendações nutricionais, prevenindo doenças metabólicas como diabetes e obesidade e tornando cada dieta mais precisa e adaptada às necessidades individuais.
Texto original por Leanne Redman, fisiologista no Pennington Biomedical Research Center do Louisiana State University System, Baton Rouge, LA, EUA.
CBD para prevenção da psicose (3)
O estudo STEP testa o uso do canabidiol (CBD) para prevenir transtornos psicóticos. Três ensaios avaliarão a substância em diferentes estágios da psicose, com resultados iniciais em 2025.
Se essa terapia se mostrar eficaz como supõe os pesquisadores, ela pode reduzir a necessidade de tomar antipsicóticos tradicionais, que frequentemente causam efeitos colaterais que impactam a vida da pessoa gravemente.
Edição de base para doença hematológica (4)
Também é esperado em 2025 a conclusão do primeiro ensaio clínico com o objetivo de avaliar segurança e eficácia da edição de bases em células-tronco hematopoéticas. De fato, o processo tem sido bem sucedido em outros casos, tanto em testes clínicos ex vivo quanto in vivo.
As células hematopoéticas têm a capacidade de se autorrenovar e de se transformar em células especializadas do sangue e do sistema imunológico. No entanto, por essa característica elas têm uma enorme importância para possíveis tratamentos de doenças oncológicas, hematológicas e imunológicas.
A Beam Therapeutics conduz o BEACON trial, um estudo multicêntrico que tenta avaliar a segurança e eficácia dessa técnica. Atualmente eles tentam tratar pacientes com doença falciforme grave. O processo usa edição ex vivo para imitar mutações que mantêm altos níveis de hemoglobina fetal, aliviando sintomas da doença.
Telhados reflexivos contra doenças causadas pelo calor (5)
Este outro estudo se debruça sobre questões ambientais. A saber, ele avalia o impacto de se revestir telhados com materiais reflexivos para reduzir o estresse térmico. Ao impedir a absorção de calor, esses telhados tornam os ambientes mais confortáveis e, consequentemente, tem potencial para prevenir doenças e mortes causadas pelo calor excessivo.
O estudo vem analisando o impacto da tecnologia em 600 famílias, ao longo de dois anos. Dados de saúde entre quem recebeu o telhado e quem não recebeu são comparados.
Os resultados preliminares mostram que a solução ajuda a reduzir estresse térmico, melhora a qualidade do sono e pode até impactar a saúde mental. Ademais, a proposta é expandir essa abordagem para comunidades vulneráveis ao redor do mundo, especialmente em regiões afetadas pelas mudanças climáticas.
Texto original por Aditi Bunker, epidemiologista e coordenador do Climate Change and Health Intervention Working Group, da Universidade de Heidelberg, na Alemanha.
Radiofármacos para o câncer de próstata (6)
Dois ensaios clínicos investigam o uso do radiofármaco lutécio-177 para tratar o câncer de próstata. O PSMAfore avalia sua aplicação antes da quimioterapia, enquanto o PSMAddition testa sua combinação com terapia hormonal.
Ambos os estudos buscam ampliar o acesso ao Lu177-PSMA-617, aprovado para casos avançados. Contudo, se os resultados forem positivos, esse tratamento pode se tornar uma opção precoce, aumentando a sobrevida e melhorando a qualidade de vida dos pacientes.
O radiofármaco lutécio-177 está revolucionando o tratamento do câncer de próstata. Precipuamente, a FDA já aprovou o Lu177-PSMA-617 para pacientes com câncer avançado, e novos ensaios avaliam seu uso precoce.
Tudo indica que se for aprovado o uso do radiofármaco Lutécio-177-PSMA-617 em pacientes com câncer de próstata sensível a hormônios, o tratamento pode se tornar uma opção para ser realizada precocemente. Sobretudo, isso pode melhorar a sobrevida e a qualidade de vida dos pacientes.
O câncer de próstata é o segundo tipo de câncer mais comum entre homens. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), de fato o Brasil deve registrar cerca de 71.740 novos casos de câncer de próstata a cada ano entre 2023 e 2025.
Por certo, o Centro de Tecnologia em Medicina Molecular (CTMM) da Faculdade de Medicina da UFMG realiza o exame PET/CT com marcador 18F-PSMA, além de usar também os marcadores 18F-FDG e 18F-FES.
Texto original por Oliver Sartor, oncologista médico na Divisão de Oncologia Médica do Departamento de Oncologia da Clínica Mayo, Rochester, MN, EUA.
Chatbots para triagem de câncer do colo do útero (7)
Pesquisadores da International Agency for Research on Cancer testam um chatbot multilíngue para incentivar a participação no rastreamento do HPV. No entanto, estudos realizados em um programa de pesquisa francês indicam que menos de 20% das mulheres participam.
O objetivo é melhorar a participação no rastreamento, essencial para reduzir a incidência e a mortalidade do câncer cervical. Ademais, foram criadas ferramentas digitais para incentivar o autoexame, com foco em mulheres de baixa escolaridade e de áreas vulneráveis.
A ferramenta principal é um assistente virtual, acessível por celular, que oferece informações em várias línguas. Só para ilustrar, ela foi desenvolvida com base em estudos qualitativos sobre o conhecimento das mulheres e o uso de smartphones, além de orientações de profissionais de saúde.
Os primeiros resultados mostram que as mulheres estão satisfeitas com o chatbot, que oferece respostas rápidas e precisas. Posteriormente, um ensaio clínico randomizado, em andamento e com conclusão prevista para ainda em 2025, avaliará a eficácia do chatbot em aumentar a participação no programa de rastreamento de câncer cervical baseado no HPV.
Texto original por Farida Selmouni, cientista na Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer, Lyon, França.
Ferramentas digitais para saúde mental de adolescentes (8)
Em países de baixa e média renda, como o Quênia, os adolescentes enfrentam desafios significativos no desenvolvimento, saúde sexual e reprodutiva, além da exposição à violência.
O estudo mSELY avalia uma ferramenta móvel para ajudar adolescentes e seus pais na gestão da saúde mental. No entanto, ele pode tornar a saúde mental mais acessível, especialmente em regiões com poucos serviços especializados. Graças ao apoio de organizações comunitárias, os dados iniciais devem sair em 2025.
Versão para adolescentes: ajuda os jovens a autoavaliar e gerenciar sua saúde mental, ao mesmo tempo que promove a conexão com colegas da mesma faixa etária.
Versão para pais: oferece estratégias de saúde mental e recursos para melhorar as habilidades de criação dos filhos.
Ao abordar as causas raiz da violência comportamental, muitas vezes relacionadas à baixa autoestima e habilidades limitadas de resolução de problemas, o estudo, acima de tudo, empodera os participantes a entender seu próprio desenvolvimento.
Eles recebem feedback sobre seu progresso, promovendo a autoconsciência. Decerto, o kit para pais reforça a importância da comunicação aberta entre pais e filhos.
Texto original por Keng-Yen Huang, professora associada da NYU School of Medicine, lidera o estudo.
Rastreamento personalizado para câncer de mama (9)
O MyPeBS trial testa um modelo de triagem baseado no risco individual, considerando histórico familiar e marcadores genéticos. Se bem-sucedido, pode transformar as diretrizes globais de rastreamento do câncer de mama.
Atualmente, a maioria dos países inicia o rastreamento aos 50 anos, mas esse método reduz a mortalidade apenas em 20%, com altas taxas de sobrediagnóstico.
Participam mais de 53 mil mulheres em seis países. A saber, são dois grupos usados para comparar os resultados. Um segue o rastreamento padrão. Por conseguinte, o outro grupo recebe rastreamento personalizado com base em fatores de risco individuais, como genética e estilo de vida. O estudo também utiliza testes de DNA por amostras de saliva e um escore de risco poligênico, que ajuda a avaliar o risco com alta precisão.
A estratégia pode evitar exames desnecessários em mulheres de baixo risco e garantir diagnósticos mais precoces em casos de alto risco. Em outras palavras, seria uma revolução na prevenção do câncer de mama, melhorando os resultados para mulheres com alto risco e minimizando danos para aquelas com baixo risco.
Horta caseira contra a desnutrição (10)
O projeto ALIMUS é focado em combater os efeitos das mudanças climáticas na nutrição no sudeste do Quênia e em Burkina Faso rural. Por isso, seu principal indicador de sucesso será a evolução no crescimento infantil na área do estudo.
Como as mudanças climáticas reduzem os nutrientes nas culturas básicas [milho e trigo, por exemplo], por certo o projeto incentiva as famílias locais a cultivarem seus próprios vegetais e frutas para melhorar a diversidade alimentar.
A intervenção começou em 2020. No entanto, hoje, com 600 famílias envolvidas, o impacto de longo prazo no estado nutricional das crianças é medido por meio de escores de ‘altura para a idade’. ALIMUS pode oferecer um modelo para combater a desnutrição em regiões que enfrentam desafios semelhantes. Em outras palavras, isso também poderia garantir um futuro mais saudável para populações vulneráveis.
Texto original, por Ina Danquah, cientista nutricional especializada em epidemiologia na Universidade de Bonn, Bonn, Alemanha.
Videogame: ajuda criança com o autismo e os pais com o estresse (11)
Pesquisadores da Universidade de Stanford testam Guess What? – um videogame projetado para melhorar a interação social de crianças com autismo. Atualmente, o jogo está em testes clínicos com crianças autistas de 2 a 8 anos.
A ideia é que o mesmo jogo também possa reduzir o estresse dos pais. Assim ele poderia se tornar um suporte terapêutico valioso, promovendo inclusão social e desenvolvimento cognitivo. Por outro lado, os resultados podem transformar a abordagem ao autismo, beneficiando tanto as crianças quanto suas famílias.
Segundo o artigo, nos EUA, cerca de 17% das crianças entre 3 e 17 anos têm algum diagnóstico psiquiátrico ou de desenvolvimento, como o autismo. Contudo, esse número pode ser ainda maior devido ao subdiagnóstico, especialmente em áreas rurais e entre minorias.
Crianças autistas enfrentam desafios de comunicação e interesses restritos, mas a intervenção precoce pode ajudar. O Guess What? busca melhorar o contato visual, a motivação e a atenção, enquanto reduz ansiedades e interesses repetitivos. Além disso, o jogo promove uma forte sincronia social entre criança e cuidador.
Os dados coletados ajudam a monitorar o progresso, além de treinar inteligência artificial para entender sinais do autismo e personalizar a experiência, aumentando o engajamento.
Texto original, por Dennis P. Wall is a professor of pediatrics and biomedical data science at Stanford University School of Medicine, Stanford, CA, USA.
Perspectivas para o futuro
Esses ensaios clínicos representam a vanguarda da medicina, com inovações que podem, de fato, mudar a forma como tratamos várias doenças. No entanto, é importante adotar uma visão crítica.
Muitas dessas pesquisas ainda enfrentam desafios significativos, incluindo questões de segurança, eficácia e, especialmente, acessibilidade. Se esses avanços forem aplicados de maneira desigual, eles podem acabar aprofundando ainda mais as disparidades no acesso à saúde, em vez de promover uma verdadeira transformação global no cuidado médico.
O verdadeiro impacto das inovações será medido, não apenas pela sua eficácia em laboratório, mas pela sua capacidade de transformar as vidas das pessoas em comunidades de diferentes realidades socioeconômicas.
Portanto, embora as expectativas para 2025 sejam altas, devemos acompanhar de perto não só os resultados dessas pesquisas, mas também a maneira como elas serão implementadas em larga escala e acessíveis para a população em geral.
Leia o artigo original
“Eleven Clinical Trials That Will Shape Medicine in 2025”.
Nature Medicine. Dezembro de 2024. DOI: 10.1038/s41591-024-03383-y.
Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG (Perfil)