Um pequeno implante no pescoço pode transformar o tratamento da doença. O dispositivo aprovado em julho de 2025 age sobre o nervo mais longo do corpo humano e reduz dor e inflamação. O mesmo princípio pode ser usado também em outros casos.
Nos últimos dias a imprensa internacional tem se dedicado a divulgar uma conquista científica marcante. Pela primeira vez, a FDA (Food and Drug Administration), agência reguladora de vigilância sanitária dos Estados Unidos — como é o caso da Anvisa, aqui no Brasil —, aprovou o uso oficial de um dispositivo de terapia elétrica, implantável no pescoço, para tratamento clínico.
Direcionado ao tratamento da artrite reumatoide, um doença autoimune, este primeiro dispositivo, destaca Grace Wade, no site da New Scientist, inicia uma nova etapa da medicina bioeletrônica. E, também, da neurotecnologia. A saber, o dispositivo implantado envia impulsos elétricos ao nervo vago.
Na revista Smithsonian, que também tratou do assunto, a jornalista Amber Chen destacou que o nervo vago conecta o cérebro a vários órgãos e atua como regulador do sistema imunológico. Com várias outras funções primordiais, o nervo vago é responsável por modular a liberação das substâncias inflamatórias, participa do equilíbrio do organismo e de uma série de outras funções.
Já Bridget Balch, da AAMCNews, comparou o nervo mais longo do organismo humano a um “supercabo” que, quando estimulado, reduz a liberação de substâncias inflamatórias.
Como foi a pesquisa
A evidência que viabilizou o tratamento bioeletrônico veio do ensaio clínico RESET-RA, liderado por Kevin Tracey, presidente do Feinstein Institutes for Medical Research e cofundador da SetPoint Medical. O estudo foi conduzido com 242 voluntários adultos com artrite reumatoide em estágio moderado a grave. Além disso, os participantes não tinham obtido respostas satisfatórias com as terapias tradicionais.
O implante usado, que lembra bastante a forma e o tamanho de um comprimido de Tylenol, fica conectado ao nervo vago. Ele emite um pulso elétrico de um minuto, diariamente, durante até dez anos, segundo o New York Post.
Em até um ano, aproximadamente 75% conseguiram controlar a doença apenas com o dispositivo, sem necessidade de medicamentos pesados. Cerca de 50% tiveram remissão ou atividade baixa da doença. Eventos adversos graves foram raros; o mais frequente foi rouquidão temporária.
“Minha dor foi em sete ou oito em dez, agora está em um”
Diversas notícias trazem como exemplo desse novo tratamento o caso da fonoaudióloga Dawn Steiner. Radicada nos Estados Unidos, a luta contra a doença vem desde os seu 43 anos. Ela já acreditava que a dor limitante da artrite reumatoide seria sua companhia pelo resto da vida. Afinal, já tinha completado 15 longos anos sentindo fortes dores, além das decepções das várias tentativas de tratamento sem efeito duradouro. Mas a ciência promoveu uma reviravolta — gigantesca — em sua vida.
Em resumo, a história de Dawn Steiner — e as dos outros participantes do teste do RESET-RA —, mostra que a estimulação elétrica do nervo vago pode devolver mais do que movimento: devolve vida social, esperança e autonomia.
Steiner participou do ensaio clínico RESET‑RA. Assim como os demais participantes, ela foi acompanhada por meio de exames clínicos, questionários sobre dor e marcadores inflamatórios, permitindo observar melhora rápida e sustentada.
Segundo a jornalista Bridget Balch, em notícia publicada, em agosto, no site da AAMC — Associação de Faculdades Médicas Americanas, os benefícios sentidos por Dawn Steiner foram rápidos. Logo depois de iniciar o uso do equipamento experimental. Inesperadamente, foram poucos meses para ela poder voltar a fazer algumas de suas grandes satisfações na vida, como ir a shows de rock e a jogos do New York Mets.
Impacto na qualidade de vida e aplicações médicas
No entanto, Steiner não é um caso isolado: pacientes que antes dependiam de remédios caros e com efeitos colaterais veem na estimulação elétrica uma alternativa mais segura e estável. Portanto, o efeito dessa terapia acabou sendo duplo: ela tanto devolve mobilidade e autonomia aos pacientes quanto cria novas oportunidades para tratar, também, outras doenças inflamatórias.
Afinal, o nervo vago na verdade tem dois troncos, localizados em ambos os lados do pescoço. A saber, são mais de 200 mil fibras que conectam o tronco cerebral aos vários órgãos. Como se fosse um “interruptor central, que diz ao cérebro o quanto de uma reação imune é justificada”, compara Bridget Balch, da AAMCNews.
Dessa forma, a aprovação pelo FDA fortalece também outras pesquisas, no campo do Parkinson, Alzheimer, depressão resistente, doença inflamatória intestinal e transtorno de estresse pós-traumático (PTSD).
Estudos recentes mostram ainda que há benefícios de usar a estimulação do nervo vago em outros processos de reabilitação, como, por exemplo, nos casos de pós-AVC ou de Estresse Pós-traumático severo (PTSD). Mas, o estímulo precisa ter a intensidade exata para funcionar bem. Assim sendo, novas pesquisas do Texas Biomedical Device Center sugerem que combinar estimulação com reabilitação motora pode fortalecer circuitos cerebrais danificados após AVC ou lesão na medula.
Desafios e próximos passos
Certamente, a ampla adoção dessa abordagem ainda vai exigir mais algum tempo de estudos. No entanto, mudanças profundas na prática médica dependem de cautela e adaptação cultural, destaca Kevin Tracey, um dos pesquisadores da nova abordagem, segundo a notícia da AAMCNews.
Por enquanto, o implante está liberado apenas para pacientes com artrite reumatoide que não responderam a medicamentos convencionais. Há barreiras regulatórias e financeiras. Mas, a expansão desse uso vai depender ainda de novos ensaios clínicos que comprovem segurança e eficácia em larga escala, além de explorar aplicações em outras doenças neurológicas e inflamatórias.
Medicina bioeletrônica deixa de ser promessa, e avança
Certamente, a aprovação do uso do dispositivo pela FDA eleva a medicina bioeletrônica a um ponto mais alto do que uma promessa relevante. Acima de tudo, já pode ser vista como alternativa concreta, ao menos para as milhões de pessoas com artrite reumatoide.
Tal inovação não apenas exemplifica princípios da Pesquisa e Inovação Responsáveis (PIR). Ela também demonstra na prática que a crítica a uma pesquisa integra o processo de sua validação científica. Enfim, a aposta em terapias bioeletrônicas, mostra como ciência e inovação podem convergir para o bem coletivo de formas bastante relevantes.
[Leia o artigo original]
- Enlisting the vagus nerve to help the body heal itself
Bridget Balch, AAMCNews, 13 de agosto de 2025. Link - New Implanted Device Could Offer a Long-Elusive, Drug-Free Treatment for Rheumatoid Arthritis
Mary Beth Fessenden, Smithsonian Magazine, 13 de agosto de 2025. Link - Vagus nerve stimulation receives US approval to treat arthritis
Grace Wade, New Scientist, agosto 2025. - Here’s how a bio implant stopped Long Island woman’s ‘horrific’ arthritis in its tracks: ‘This is the future’
Alex Mitchell, The New York Post, Long Island, 14 de maio 2025.
[Fala comigo, leitor!]
Deixe seu comentário:
📧 inctneurotecr@gmail.com
📱 Instagram: @inctneurotecr
💼 LinkedIn: INCT NeuroTec-R
🌐 Explore mais: https://neurotecr.ctmm.digital
Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG