Funções executivas são semelhantes em autistas e não autistas adultos, aponta estudo

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"Os autistas foram mais lentos em todas as tarefas, mas não houve diferenças significativas em acurácia ou desempenho geral. A maior diferença foi na memória espacial, onde autistas cometeram mais erros em sequências complexas" - Banco de Fotos Vecteezy

Uma pesquisa internacional, com mais de 900 participantes, revela que dificuldades cognitivas atribuídas ao autismo podem não ser exclusivas da condição. O estudo desafia teorias tradicionais e oferece novos caminhos para diagnósticos, terapias e políticas públicas. Acompanhe, aqui…


Com financiamento europeu, um grupo de cientistas dos Países Baixos e da Índia publicou uma pesquisa, em fevereiro, na revista Autism Research, na qual foram comparadas respostas de um total de 900 participantes autistas e não autistas, todos com QI médio ou acima da média e idade entre 18 e 77 anos.

A principal conclusão do trabalho é de que adultos, tanto autistas quanto não autistas, apresentam semelhantes dificuldades em habilidades cognitivas essenciais no dia a dia. Ou seja, aquelas habilidades conhecidas como “funções executivas” —  tais como controle da atenção, memória de trabalho e flexibilidade mental. As primeiras teorias a respeito determinavam diferenças maiores e universais.

Os cientistas também concluíram que o desempenho de autistas e não autistas é outro aspecto que pode variar pouco ao longo do tempo. Usando testes padronizados, foram encontradas apenas pequenas diferenças de desempenho entre os grupos. Em outras palavras, esse e outros resultados sugerem que as intervenções devem focar em adaptações ambientais, como ritmo de trabalho, em vez de pressupor incapacidades.

Apesar disso, os participantes autistas demonstraram, de forma consistente, respostas mais lentas, maior sensibilidade à sinalização espacial e maior propensão a erros em tarefas complexas que envolvem a memória de trabalho.

Afinal, é possível ser autista e enfrentar os mesmos desafios cognitivos que colegas neurotípicos? 

A resposta é sim

Pelo menos no que diz respeito a funções como planejar, organizar tarefas e lembrar compromissos, e de acordo com a pesquisa de Robert Jertberg, da Universidade Livre de Amsterdam e do Instituto de Pesquisa em Saúde Pública de Amsterdam, em colaboração com pesquisadores do Centro Holandês de Pesquisa sobre Autismo e TDAH (D’Arc) do Centro de Autismo da Universidade de Reading, no Reino Unido, da Universidade Ashoka e do Centro de Autismo da Índia.

Como foi o estudo?

Os voluntários realizaram quatro testes padronizados que avaliaram inibição, flexibilidade cognitiva, memória espacial e atenção orientada a pistas sociais e não sociais. Todos os resultados foram controlados para QI, idade e gênero. Embora a velocidade de resposta tenha sido menor no grupo autista, a acurácia e o desempenho geral mostraram poucas diferenças.

Essa evidência contraria teorias anteriores que sugeriam déficits executivos como característica central do autismo. Em outras palavras, os autores afirmam que “ser autista não implica disfunção executiva em nível cognitivo básico.”

Impactos para terapias e inclusão

A pesquisa sugere que muitas dificuldades atribuídas ao autismo podem estar ligadas ao ambiente — e não a déficits cognitivos intrínsecos. Por isso, em vez de focar apenas em treinamento intensivo de funções executivas, estratégias de apoio podem priorizar adaptações no ritmo de trabalho e na estrutura das atividades.

Além disso, os dados reforçam a importância de ambientes mais inclusivos, como escolas e locais de trabalho com maior flexibilidade. Em conclusão, estudos anteriores já indicavam que diferenças nas funções executivas tendem a diminuir com a idade. No entanto, o novo estudo amplia essa perspectiva, ao mostrar que essas diferenças são pequenas desde a vida adulta.

O que vem pela frente?

Como as diferenças sensoriais e motoras contribuem para respostas mais lentas? A pesquisa de tecnologias assistivas, como softwares que adaptem tarefas ao ritmo individual, pode ser um caminho.   

Falta integrar achados a protocolos diagnósticos, o que exige colaboração entre cientistas, gestores e comunidades autistas. Para avançar, é muito importante o avanço de pesquisas que desenvolvam ferramentas que aliem ciência, tecnologia e políticas inclusivas e que possam atender a desafios reais, não apenas testes laboratoriais.  

Desafio às noções cristalizadas sobre o autismo

Ao mostrar que funções cognitivas não diferem tanto entre autistas e não autistas, o estudo convida à reflexão: o que realmente define uma dificuldade e quem deve receber apoio?

Segundo os autores, a dificuldade deve ser definida com base no grau de prejuízo funcional no dia a dia da pessoa — e não apenas, ou principalmente, em comparação com a média do grupo ou com o diagnóstico clínico.

O apoio a ambos os grupos deve ser direcionado a quem enfrenta limitações reais em seu funcionamento cotidiano, independentemente de pertencerem a um grupo diagnóstico específico. Por outro lado, isso sugere uma abordagem mais individualizada e funcional, em vez de baseada apenas em categorias clínicas ou rótulos diagnósticos.

NeuroTec-R e Pesquisa Responsável

Alinhado aos princípios de Pesquisa e Inovação Responsáveis (PIR), o NeuroTec-R destaca a relevância de estudos como este para promover tecnologias éticas e inclusivas. A saber, a integração de vozes autistas em pesquisas futuras, via parcerias com universidades e setores públicos, é essencial para soluções que respeitem a neurodiversidade.  

Quer saber mais?

Acesse o artigo completo se acaso desejar conhecer todos os detalhes da pesquisa:

Slow but Steady: Similarities and Differences in Executive Functioning Between Autistic and Non-Autistic Adults
Robert M. Jertberg, Sander Begeer, Hilde M. Geurts, Bhismadev Chakrabarti, Erik Van der Burg
Publicado em: Autism Research, 13 de março de 2025
DOI: 10.1002/aur.70015



Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG