Mulheres têm o dobro de risco de Alzheimer; ciência ainda busca respostas, mas há prevenção

Mulheres têm o dobro de risco de Alzheimer
Notícia publicada na Nature diz que “mudanças no cérebro feminino durante a menopausa, juntamente com fatores sociais e culturais, podem afetar o risco de doença” - Imagem: Reprodução do artigo Copyright © 2025, Springer Nature America, Inc.

Reportagem da jornalista Sofia Moutinho alerta para o risco aumentado de demência em relação aos homens e explora relação com a menopausa, queda de estrogênio, fatores sociais e culturais, e estratégias preventivas como a terapia de reposição hormonal. A desigualdade de gênero e o acesso à educação também influenciam o risco de demência.


Um estudo publicado em março de 2025 na revista Nature Medicine, assinado por Sofia Moutinho, revelou que as mulheres têm o dobro de risco de desenvolver Alzheimer em comparação com os homens. A pesquisa investiga o papel da menopausa, os impactos sociais e culturais e possíveis estratégias de prevenção.

A menopausa é um dos principais fatores para explicar por que mulheres são mais propensas ao Alzheimer. Durante esse período, os níveis de estrogênio caem drasticamente. Esse hormônio tem papel fundamental no funcionamento do cérebro, pois ajuda as células a absorver glicose para produzir energia.

Com a queda de estrogênio, no entanto, o cérebro busca fontes alternativas de energia, como os lipídeos da substância branca. Esse mecanismo pode levar à degradação dessa região cerebral, reduzindo seu volume e, assim, aumentando o risco de Alzheimer. 

Além disso, estudos mostram que mulheres na menopausa apresentam um metabolismo cerebral 22% menor e uma perda de volume da substância branca em torno de 11% em comparação aos homens da mesma idade.

É possível prevenir?

A menopausa é inevitável. Mas, existem estratégias para reduzir seu impacto no cérebro. Por isso, cientistas alertam para a importância de se monitorar fatores como hipertensão e síndrome metabólica como meio de minimizar o risco de Alzheimer em mulheres.

Além disso, a pesquisa levanta a possibilidade de que a terapia de reposição hormonal (TRH) tenha um papel neuroprotetor. Essa medida pode ser capaz de restaurar os níveis de estrogênio no organismo. Um estudo citado por Moutinho indicou que mulheres que fizeram TRH por pelo menos três anos tiveram um risco 40% menor de desenvolver Alzheimer e Parkinson.

Quando o tratamento foi estendido para seis anos ou mais, a redução do risco chegou a 80%. No entanto, nem todos os estudos confirmam esses benefícios. 

Algumas pesquisas indicam que a TRH pode aumentar o risco de demência em certas situações, especialmente se iniciada tardiamente. Dessa forma, é fundamental que as decisões sobre TRH sejam individualizadas e acompanhadas por profissionais da saúde.

A influência dos fatores sociais e culturais

O estudo também revela que o risco de Alzheimer em mulheres não é explicado apenas por fatores biológicos. Na verdade, aspectos sociais e culturais influenciam diretamente a saúde cognitiva feminina.

Menor acesso à educação tende a levar a maior risco de demência, pois a escolaridade está ligada à formação da “reserva cognitiva”. Esse mecanismo protege o cérebro contra doenças neurodegenerativas. Além disso, a desigualdade de gênero no mercado de trabalho é outro fator relevante.

Mulheres que tiveram empregos formais por mais tempo demonstraram menor declínio cognitivo, pois a atividade profissional exige estímulos constantes. Segundo Moutinho, o impacto da desigualdade é ainda maior entre mulheres negras. 

A discriminação, tanto de gênero quanto racial, resulta em maior nível de estresse crônico. Isso, consequentemente, promove um risco aumentado de doenças neurodegenerativas.

Como o machismo na ciência afeta o entendimento do Alzheimer?

Historicamente, a ciência negligenciou as diferenças entre os sexos no estudo do Alzheimer. Até recentemente, a maioria dos estudos sobre demência focava em homens. Essa metodologia ignorava os impactos das diferenças hormonais e sociais na progressão de doenças nas mulheres.

Evidências mostram que queixas cognitivas femininas são frequentemente subestimadas por profissionais de saúde. Muitos atribuem os sintomas a distúrbios emocionais, como ansiedade e depressão, o que pode atrasar diagnósticos e dificultar o tratamento precoce.

Além disso, outra questão preocupante é a sub-representação feminina nos ensaios clínicos. Mesmo que mulheres representem 64% dos pacientes com Alzheimer, elas são apenas 58% dos participantes desses estudos.

Mais uma vez a metodologia poderia levar a evidências que por sua vez poderiam indicar condutas tais que levassem a tratamentos menos eficazes para o gênero feminino. Portanto, é essencial a inclusão de mais mulheres em pesquisas Da mesma forma é necessário adaptar tratamentos já aplicados hoje em dia às suas especificidades biológicas.

Veja aqui um resumo sobre como prevenir

SoluçãoDescrição
Monitoramento cardiovascular e metabólicoMulheres com fatores de risco como pressão alta e síndrome metabólica podem ter maior probabilidade de desenvolver Alzheimer após a menopausa. Identificar e tratar essas condições pode reduzir o risco da doença.
Terapia de reposição hormonal (TRH)Alguns estudos indicam que a TRH pode ajudar a restaurar os níveis de estrogênio e reduzir o risco de demência. No entanto, essa abordagem ainda é debatida, e a recomendação é iniciar a terapia no período adequado (durante a meia-idade) para evitar possíveis efeitos adversos.
Maior educação e estímulo cognitivoMulheres com maior nível de escolaridade e envolvimento em atividades cognitivas apresentam um declínio mais lento da memória. Trabalhar fora de casa ou jogar palavras cruzadas também pode contribuir para proteger da demência, devido ao estímulo intelectual e social.
Redução do impacto de fatores sociais e culturaisO machismo estrutural pode acelerar o declínio cognitivo em mulheres. A eliminação de desigualdades, como a disparidade salarial e o acesso desigual à educação e ao mercado de trabalho, pode ser uma estratégia de proteção.
Maior representatividade feminina em estudos clínicosMulheres são sub-representadas em pesquisas sobre Alzheimer. A autora sugere a necessidade de aumentar o financiamento para estudos focados nas diferenças de gênero na doença, garantindo que os tratamentos sejam eficazes para as mulheres.

Relação com o NeuroTec-R

O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (NeuroTec-R) reforça a necessidade de que as pesquisas analisem as diferenças de gênero nas doenças neurodegenerativas.

Investigações interdisciplinares podem integrar neurociência, tecnologia e participação social para encontrar soluções inovadoras para esses desafios. Além disso, estudos futuros deverão valorizar o impacto das diferenças hormonais e sociais no risco de Alzheimer. Ao considerar aspectos biológicos, sociais e tecnológicos, o instituto fortalece a discussão sobre neurociência responsável e inclusiva.

Leia o artigo original: 

Women twice as likely to develop Alzheimer’s disease as men — but scientists do not know why. Nature Medicine, Volume 31, p. 704–707, 2025. DOI: 10.1038/s41591-025-03564-3

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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG (Perfil)