A probabilidade faz parte do nosso dia a dia. Mas, apesar disso, ela não deve ser compreendida como uma propriedade objetiva do mundo. Trata-se de “uma construção baseada em julgamentos pessoais ou coletivos e suposições, muitas vezes duvidosas”, afirma David Spiegelhalter, professor emérito de Estatística da Universidade de Cambridge. Probabilidade existe? Provavelmente não; mas ajuda pensar que sim
David Spiegelhalter é professor emérito de Estatística da Universidade de Cambridge. Em artigo publicado na revista Nature de novembro de 2024, ele fez um provocação curiosa. Probabilidade existe? Provavelmente não; mas ajuda. O estatístico adverte que são muitos os casos em que a probabilidade não estima uma quantidade “verdadeira”. Mas, considera que, ainda assim, se trata de uma ferramenta essencial para o processo de tomada de decisão.
Sobre o que convencionamos chamar de “previsão do tempo”, ele chama a atenção para o fato de que não existe um instrumento capaz de medir probabilidades. Os meteorologistas medem temperatura, velocidade do vento e quantidade de chuva. Logo, é possível aferi-los.
Já a probabilidade de chover é outra coisa. Não é possível usar um instrumento para medi-la. É “chove” ou “não chove”. A porcentagem de uma previsão de “70% de chance de chuva”, por exemplo, reflete um padrão observado no passado, em situações semelhantes.
Como isso afeta a vida das pessoas?
Entender que probabilidades são baseadas em julgamentos pode mudar a forma como interpretamos previsões. Elas não são certezas. Pode ser, mas também pode não ser. Nesse caso, são representações do que sabemos no momento. E isso vale para decisões pessoais, diagnósticos médicos e até para políticas públicas. São válidas. Mas não são “a verdade”.
Após o evento “a situação muda de incerteza, logo de algo que está no futuro (‘aleatório’, não podemos saber), para incerteza ‘epistêmica’, que se relaciona com o que atualmente não sabemos”, afirma o autor. É como um exemplo clássico de probabilidade, que é o “cara ou coroa”. Antes de jogar a moeda o resultado representa o acaso.
Mesmo na ciência, as probabilidades dependem de hipóteses. Para ilustrar, o autor cita o estudo Recovery (Randomised Evaluation of covid-19 Therapy), que comprovou a eficácia da dexametasona para o tratamento da doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 nas formas moderada e grave. A análise ajudou a salvar vidas, mas partiu de modelos estatísticos com simplificações e pressupostos. Logo, não eram “verdadeiras”, mas sim produto de suposições e julgamentos subjetivos. Existe aí uma grande carga de incerteza.

Concluindo com um novo olhar sobre a incerteza
No artigo de Spiegelhalter, na Nature, é defendida uma abordagem pragmática. A probabilidade existe? Provavelmente não; mas ajuda pensar que sim e agir como se ela existisse. Assim, o desafio é usar essa ferramenta com responsabilidade, entendendo e reconhecendo suas limitações.
Logo, modelos e previsões guiam escolhas que impactam vidas. Por isso, é essencial comunicar incertezas e revisar hipóteses continuamente. Daí a questão posta pelo pesquisador: Probabilidade não existe mas ajuda agir como se existisse. Afinal, ciência deve combinar transparência, ética e rigor. A conclusão, portanto, é de que, embora a probabilidade seja uma ferramenta útil, ela deve ser vista como uma construção humana e em nenhuma outra hipótese como uma representação objetiva da realidade.
Além de tudo, a análise também reforça a importância da pesquisa responsável. O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (NeuroTec-R) tem foco no estudo do cérebro e no desenvolvimento responsável. Dentre os princípios da Pesquisa e Inovação Responsáveis (PIR), além de promover a inclusão de representantes de todos os setores da sociedade (legisladores, políticos, educadores, empreendedores, cidadãos e cientistas), acima de tudo também se busca aprimorar a divulgação e a capacitação do cidadão que se interessa por ciência.
LEIA O ARTIGO de Spiegelhalter |
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Título: Does probability exist? Probably not — but it is useful to act as if it does |
Autor: David Spiegelhalter |
Revista: Nature |
Seção: Books & Arts |
Páginas: 560-563 |
Volume: 636 |
Data: 19 / 26 December 2024 |
Acesse: https://www.nature.com/articles/d41586-024-04096-5 |
Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG
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Atualizado em 13/3/2025, às 9h20