Projeto EEG Many Labs valida teoria neural de aprendizagem a partir da colaboração de laboratórios de diferentes partes do mundo. Todos tinham amostras pequenas. No entanto, tudo mudou a partir dessa união. Entenda como isso permitiu resultado diferente e deve mexer com o método de fazer pesquisas!
“Um dos artigos altamente citados [pelo neurocientista] Clay Holroyd é um resultado nulo”. Assim a jornalista científica Laura Dattaro abre sua notícia, publicada em 30 de maio de 2025, no site The Transmitter. Dattaro se refere à pesquisa realizada em 2005, pelo próprio Holroyd, da Universidade de Ghent (cujo lema é “Ouse pensar!”), Bélgica.
Na publicação de 20 anos atrás, o autor relacionava aprendizagem com resposta cerebral a recompensas e decepções inesperadas. Inegavelmente, o resultado não foi o esperado: nulo, sem significado estatístico. Os cientistas sabem que — se fizeram tudo usando o método científico —, resultados negativos também são importantes para a ciência. Não é fácil lidar com a frustração, mas aí já é assunto para outra notícia.
“Experimentos que chegam a respostas negativas são mais frequentes do que se imaginava e desconsiderá-los pode gerar vieses”, ou distorções do pensamento (Veja notícia relacionada, da Revista Pesquisa Fapesp).
Fatos surpreendentes ajudam a aprendizagem
Voltando um pouco no tempo, em 2002, Clay Holroyd propôs que flutuações de dopamina geram sinais no sistema nervoso que podem ser medidos por meio de um exame de eletroencefalografia (EEG). Em outras palavras, sua teoria afirma que respostas cerebrais estão relacionadas a recompensas e decepções inesperadas.
E por que isso ocorreria? Seria resultado da sensação de “surpresa” ao recebermos recompensas ou decepções inesperadas. Contudo, o resultado das análises de seu experimento de 2005, com apenas 17 voluntários participantes, foram nulos. Ou seja, a pesquisa “disse” que o cientista estava errado e que o que ele estava propondo não tinha nada a ver. Mas, será?
“Muitos Laboratórios”, o projeto
Estaria errada a teoria a afirmar que respostas cerebrais estão relacionadas a recompensas e decepções inesperadas? Apesar do resultado negativo, o artigo é altamente citado. Apenas em uma plataforma de artigos científicos, atualmente, na data de hoje, o artigo já foi citado 635 vezes (“Brain potencials…” (2005)). Dado o interesse, parecia ter alguma informação relevante, ali.
Foi por isso que o pessoal do projeto EEGManyLabs — uma estratégia colaborativa que propõe repetir pesquisas de resultado nulo que se destacaram — , entrou nessa história para tirar a prova.
Testando a replicabilidade dos principais achados em neurociência com EEG
O EEGManyLabs é uma iniciativa global que, em outras palavras, testa a replicabilidade de descobertas clássicas com eletroencefalografia (EEG). A proposta deles é repetir 20 dos 27 estudos mais citados, com pelo menos três laboratórios independentes por estudo. Enfim, cada replicação resultará em um relatório, que será registrado no sistema do Projeto e revisado antes do início da coleta dos dados.
Estudos de previsão abertos farão a estimativa da chance de replicação. O projeto quer fortalecer a confiança nos achados, criar um banco de dados aberto e impulsionar colaborações internacionais, robustas e transparentes. A saber, isso equivale a dizer que todos os envolvidos seguem um rigoroso protocolo de pesquisa. Colaborativo, acima de tudo permite “juntar” os dados coletados individualmente para uma análise final, constituindo um trabalho único. Em suma, simples e eficiente.
No caso do experimento de Clay Holroyd, a equipe do projeto reuniu 13 laboratórios, de várias partes do mundo. Essa nova forma de fazer ciência, ao estilo “Juntos e shallow now”, resolveu essa controvérsia científica de duas décadas sobre a forma como o cérebro processa recompensas.
Impacto direto sobre estudos de transtornos como depressão e TDAH
Já no novo estudo, colaborativo, o resultado mudou. Com mais estrutura, embora com poucos participantes em cada laboratório, no modelo colaborativo o EEG Many Labs conseguiu reunir 370 participantes.
Ao repetirem os testes, igualzinho, ficou comprovado o que o cientista tinha previsto: quer dizer, o padrão de resposta do nosso sistema nervoso é mais intenso (mesmo!) quando a gente se depara com resultados surpreendentes.
“Isso esclarece como o cérebro aprende com a experiência”, explica Gilles Pourtois, da Universidade de Ghent, entrevistado para a notícia da The Transmitter. Essa descoberta impacta diretamente estudos sobre transtornos como depressão e TDAH, onde respostas a recompensas são alteradas.
A validação da teoria de Holroyd encerra 20 anos de debates e estudos contraditórios. Para ele, a replicação trouxe alívio: “Suspeitava que era questão de poder estatístico — agora, está provado”. Ou seja: Respostas cerebrais estão relacionadas a recompensas e decepções inesperadas.
O poder da colaboração
Então, é bom reforçar: nenhum dos 13 laboratórios, individualmente, obteve significância estatística plena. A pesquisa realizada em vários laboratórios de uma só vez evidencia a importância de colaborações internacionais para aumentar a confiabilidade dos achados científicos.
Por isso, o efeito só foi possível de ser observado na análise conjunta, destacando um desafio metodológico crucial. Para Faisal Mushtaq, cofundador do projeto, e um dos citados pela jornalista científica, “Reunir conjuntos de dados revelou padrões sutis, até invisíveis, em amostras menores”.
Impacto e aplicações do novo estudo
Assim como foi nesse caso, é possível que muitos outros resultados negativos possam ter ocorrido devido a estudos subdimensionados. Dessa forma, eles não representam necessariamente evidências contra teorias bem estabelecidas.
Revolução na metodologia científica
Por outro lado, esse caso também indica um caminho claro. Projetos colaborativos, com protocolos padronizados e análise conjunta de dados, são essenciais para enfrentar a crise de replicabilidade nas ciências cognitivas e neurociências.
Além disso, fortalece uma mudança do modelo de pensamento ou ação dos cientistas. Uma nova forma em que se valorize mais o processo do que os resultados isolados. Replicações rigorosas são parte essencial do avanço científico.
Em síntese, é necessário rever os métodos usados e buscar formas de transformá-los dando mais ênfase na forma — rigorosa — de se fazer registros de dados e relatórios. Acima de tudo, sempre com o compartilhamento aberto de dados.
Próximos Passos e Perspectivas
Novas confirmações em andamento
O EEGManyLabs prepara mais publicações, incluindo a replicação de um marcador de atenção identificado em 1996. Como resultado esses esforços consolidam um novo modelo de ciência colaborativa, essencial para pesquisas com efeitos neurais discretos.
Futuro da neurociência aberta
Yuri Pavlov, pesquisador da área e cofundador do projeto, professor das universidades de Tuebingen, na Alemanha, e da Federal dos Urais, na Rússia, destaca que a iniciativa criou protocolos padronizados para EEG compartilhados globalmente.
Nesse sentido, na visão dele, isso pode acelerar descobertas sobre aprendizagem e tomada de decisão, com implicações para a educação e as neurotecnologias.
NeuroTec-R e Pesquisa Responsável
Esta pesquisa não só promove a colaboração aberta entre academia e sociedade, como também apresenta transparência metodológica e é validada a partir de amostras representativas.
O NeuroTec-R incentiva a ciência aberta e responsável, que inclui a participação de cidadãos, pesquisadores e gestores públicos no desenvolvimento ético de neurotecnologias. Essas últimas, por sua vez, devem ser capazes de transformar saúde e educação, além de promoverem o desenvolvimento de nosso país, em acordo com as diretrizes de Pesquisa e Inovação Responsáveis (PIR).
Leia o artigo original
Null and Noteworthy: Learning theory validated 20 years later
Laura Dattaro. The Transmitter. Seção Null and Noteworthy. Publicado em 30 de maio de 2025
Brain potentials associated with expected and unexpected good and bad outcomes
Greg Hajcak, Clay B. Holroyd, Jason S. Moser, Robert F. Simons.
Psychophysiology, 42 (2005), 161–170. Publicado em 23 March 2005
https://doi.org/10.1111/j.1469-8986.2005.00278.x
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Por Marcus Vinicius dos Santos – Jornalista CTMM Medicina UFMG