Pesquisa sueca feita com pacientes idosos na atenção primária mostrou que o uso de testes cognitivos digitais combinados a exame de sangue aumentou a precisão para identificar Alzheimer e outros comprometimentos de memória. O resultado foi melhor do que testes tradicionais de papel e lápis e a avaliação apenas clínica.
Muitos idosos chegam aos postos de saúde pública, no atendimento inicial, reclamando de que a memória está falhando. E muita gente boa ainda pensa que o esquecimento na terceira idade é sempre algo “normal da idade”. Nem sempre. Há casos e casos, e o diagnóstico é um divisor de águas.
Enquanto alguns pacientes ficam sem o encaminhamento que deveriam receber, outros seguem para serviços especializados sem necessidade. Os testes atuais são baseados em entrevistas, testes de lápis e papel e, às vezes, exames de imagem. Mas isso pode deixar furos e pode ser a causa de atrasos no diagnóstico de Alzheimer.
Considerando que boa parte desses idosos volta pra casa sem diagnóstico e sem o tratamento devido, um grupo de pesquisadores suecos decidiu testar uma alternativa mais objetiva.
Como o estudo foi feito
Os pesquisadores testaram o BioCog, um teste digital autoadministrado, com a participação de 403 idosos. Todos atendidos em 19 unidades de atenção primária no sul da Suécia.
A aplicação é simples: o idoso segura o tablet e segue uma série de instruções simples e diretas. O tempo total do teste é de cerca de 11 minutos.
Segundo a pesquisa, a maioria dos participantes achou as tarefas compreensíveis. Esse ponto importa porque derruba a ideia de que pessoas mais velhas rejeitam formatos digitais.
Em seguida, todos passaram por uma avaliação completa em ambulatórios de memória: bateria neuropsicológica ampla e exame de biomarcadores da doença no sangue dos participantes.
Essa dupla verificação permitiu medir o desempenho real do BioCog na triagem inicial.
O que o tablet acertou
O BioCog atingiu 85% de acurácia para identificar comprometimento cognitivo na atenção primária, enquanto a avaliação habitual ficou em 73%.
Nos testes comparativos, o BioCog também superou instrumentos conhecidos (como o Mini-Mental, MoCA, Mini-Cog e o CANTAB). Todos foram avaliados da mesma forma: usando um ponto de corte único para definir se havia ou não comprometimento cognitivo.
Quando os pesquisadores começaram a ajustar o ponto de corte único, o BioCog manteve desempenho estável, enquanto outros testes oscilaram, reforçando a robustez do método.
Dois passos: tablet primeiro, sangue depois
A parte mais promissora do estudo é o fluxo em dois passos:
- O idoso faz o BioCog na atenção primária;
- Apenas quem apresenta sinais de comprometimento segue para o exame de sangue PrecivityAD2, que mede proteínas tau fosforiladas, incluindo p-tau217, alvo central na pesquisa sobre Alzheimer, já há algum tempo.
Esse exame estimou, com base nos níveis de biomarcadores, a probabilidade de que o quadro estivesse ligado ao Alzheimer. Os resultados de desempenho aparecem detalhados no artigo e mostram diferenças importantes entre usar o sangue sozinho ou combiná-lo com o BioCog.
A combinação que mais funcionou
A combinação do fluxo BioCog + o teste do biomarcador PrecivityAD2 atingiu cerca de 90% de precisão para identificar Alzheimer clínico.
A avaliação isolada do médico da atenção primária ficou em 70%. Já o exame de sangue sozinho chegou a 80%, porém com mais falsos positivos.
A estratégia combinada:
- diminui risco de rotular como Alzheimer quem não tem a doença;
- aumenta as chances de detectar casos reais, e mais cedo;
- evita pedir exame caro a todos os pacientes.
No artigo, portanto, a abordagem usando a combinação aparece como uma forma pragmática para se buscar reduzir avaliações desnecessárias e encaminhamentos evitáveis na atenção primária.
Por meio do software é possível avaliar três capacidades:
- memória verbal;
- velocidade de processamento;
- orientação temporal.
O que muda para os serviços
Caso o teste sueco possa ser adotado em larga escala, o que os cientistas esperam é que ele possa:
- liberar tempo das equipes, já que é autoadministrado;
- padronizar a triagem, reduzindo variações entre profissionais;
- gerar métricas de tempo de resposta úteis para modelos de decisão clínica.
O artigo destaca ainda que o teste digital mostrou “precisão e sensibilidade” na diferenciação de grupos diagnósticos e uma performance acima dos instrumentos tradicionais, normalmente usados, mesmo em condições ideais, como em ambulatórios especializados, um alerta para a defasagem das ferramentas de uso corrente.
Conexão com o INCT NeuroTec-R
Este artigo tem profunda relação com as metas do INCT NeuroTec-R, que trabalha no desenvolvimento de tecnologias neurais responsáveis e ferramentas digitais para avaliação em saúde.
A estratégia em dois passos — digital + biomarcadores — dialoga com as prioridades do instituto ao mostrar caminhos para diagnósticos mais precisos, acessíveis e alinhados a impactos sociais e éticos.
[Leia o artigo original]
Primary care detection of Alzheimer’s disease using a self-administered digital cognitive test and blood biomarkers
Tideman P, Karlsson L, Strandberg O, Calling S, Smith R, Midlöv P, Verghese PB, Braunstein JB, Mattsson-Carlgren N, Stomrud E, Palmqvist S, Hansson O. Nature Medicine, 06 fev. 2025.
O que você achou dessa notícia?
Deixe seu comentário!
inctneurotecr@gmail.com
No nosso Instagram @inctneurotecr
No LinkedIn do INCT NeuroTec-R
Explore mais sobre neurotecnologia e pesquisa responsável aqui no site do NeuroTec-R.
Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG