Estudo associa traumas na infância das mães a TDAH e autismo em seus filhos

Novos caminhos podem aprimorar cuidado da saúde materna e da criança
História vivenciada pela mãe em sua infância pode refletir sobre o aparecimento de sintomas na vida dos filhos com TDAH ou autismo. Influencia é mais evidente no contexto emocional e comportamental dos filhos - Banco de fotos Pixabay

Revista nórdica e báltica de Psiquiatria publica artigo que recomenda considerar histórico materno em avaliações clínicas infantis. A abordagem não tem o objetivo de “culpar” as mães pelos transtornos dos filhos, mas de abrir novos caminhos que possam aprimorar o cuidado da saúde materna e o bem-estar da criança. 


Aquela ideia de que “tudo começa na infância” parece ter ganhado uma dimensão nova a partir de uma pesquisa assinada por Maria Davidsson e seus colegas, pesquisadores do Centro de Neuropsiquiatria Gillberg, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia. O professor Christopher Gilllberg é um dos coautores.

Publicado em fevereiro, na Revista Nórdica de Psiquiatria, o resultado principal do estudo associa traumas na infância das mães ao TDAH e ao autismo de seus filhos. Os autores encontraram correlações entre traumas maternos — como abuso emocional ou sexual — e altos índices de dificuldades nas crianças, incluindo ansiedade, agressividade e problemas de atenção.

Como o trabalho foi conduzido

A princípio o estudo analisou dados de 86 mães, 37 pais e 48 crianças atendidas em clínicas psiquiátricas infantis na Suécia. A saber, as crianças estudadas tinham diagnóstico de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) ou transtorno do espectro do autismo (TEA).

No entanto, mesmo assim, foram reavaliados. Acima de tudo, foram utilizados questionários validados e consagrados para medir tanto as experiências adversas na infância quanto os sintomas de transtornos do neurodesenvolvimento nos participantes.

A análise estatística mostrou que mães com maior número de experiências adversas também tinham filhos com mais problemas comportamentais.

Os dados e o que eles revelam

Por exemplo, quando a mãe relatava ter sofrido abuso emocional, os filhos apresentavam em média 5,7 pontos a mais na escala de dificuldades emocionais. Esse achado reforça a necessidade de considerar os dois aspectos nas estratégias de cuidado e prevenção.

Se o trauma foi abuso sexual, a diferença é de quase 3 pontos na mesma escala de dificuldades emocionais. Esses resultados permaneceram significativos mesmo após o controle de fatores como escolaridade e idade das mães.

Tanto as experiencias adversas na infância quanto os distúrbios do neurodesenvolvimento são fatores de risco independentes para o surgimento de sintomas psiquiátricos graves. Quando esses dois elementos estão presentes, o risco é ainda maior.

Para chegar a esses dados, os pesquisadores usaram questionários específicos, que avaliam emoções e comportamentos. Ademais, e curiosamente, o mesmo padrão não apareceu entre os homens que são pais. Também não houve ligação entre traços de TDAH ou autismo paternos e os comportamentos infantis. A influência materna, nesse caso, foi muito mais forte.

Transmissão intergeracional de traumas

Os achados reforçam a ideia de que os impactos dos traumas podem atravessar gerações. Traumas vivenciados na infância não apenas afetam a saúde mental das mães, mas também influenciam sua forma de cuidar e de se relacionar com os filhos. Isso pode criar um ambiente familiar mais propenso a conflitos, insegurança emocional e, consequentemente, maior risco de adoecimento psíquico na infância.

Embora os cientistas não tenham investigado os mecanismos biológicos envolvidos, os autores sugerem que fatores como estresse crônico, depressão materna e estilos parentais disfuncionais podem atuar como pontes para essa transmissão.

Inesperadamente, a ausência de associação entre traumas paternos e sintomas nas crianças pode estar relacionada à menor participação dos pais no cotidiano das famílias avaliadas.

O que vem pela frente: perspectivas e caminhos

O trabalho ressalta a importância de considerar e abordar simultaneamente ambos os fatores na prevenção e no manejo dos transtornos psiquiátricos. Do contrário, corre-se o risco de não enxergar toda a complexidade da situação.

Os autores sugerem um caminho simples, mas poderoso: perguntar às mães sobre o passado delas durante as avaliações dos filhos. Hoje, os questionários de diagnóstico ignoram quase totalmente esse tipo de informação.

Para que essa abordagem vire prática, vai ser preciso somar forças. Sistemas de saúde, educação e assistência social terão que trabalhar juntos. Maria Davidsson e seus colegas, no entanto, abrem espaço para que novas parcerias possam permitir a oferta de suporte às famílias mais vulneráveis.

Implicações para o cuidado em saúde

A principal recomendação dos pesquisadores é que profissionais de saúde mental e de pediatria considerem o histórico de traumas das mães durante as avaliações de crianças com suspeita de TDAH ou autismo. Certamente essa abordagem pode ajudar a identificar causas subjacentes dos sintomas e aprimorar estratégias terapêuticas.

Seja como for, o que mães que viveram experiências difíceis na infância podem fazer hoje para fortalecer o vínculo com seus filhos e promover um ambiente emocionalmente saudável?

Além disso, os pesquisadores também sugerem novas investigações sobre o papel dos pais. Será que o impacto masculino é mesmo menor? Ou ele apenas não foi identificado neste recorte?

Ao adotar uma perspectiva familiar e sensível ao contexto de vida das mães, é possível oferecer intervenções mais eficazes e evitar que padrões de sofrimento se repitam entre gerações. A importância de políticas públicas que apoiem mães em situação de vulnerabilidade e promovam uma abordagem integrada no cuidado infantil, é um ponto evidenciado a partir da leitura desse trabalho.

Relação com o INCT NeuroTec-R e os princípios da PIR

Esse estudo dialoga diretamente com os valores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (NeuroTec-R). Ele reforça a importância de escutar as histórias de vida das pessoas envolvidas nas pesquisas e tratamentos. A Pesquisa e Inovação Responsáveis (PIR), defendem a participação ativa da sociedade, da ciência e das políticas públicas. Mais do que dados, trata-se de entender as relações humanas que moldam o desenvolvimento.

Conclusão

O estudo sueco associa traumas na infância das mães a TDAH e autismo dos filhos. Ignorar isso é correr o risco de cuidar só da metade do problema. Para mudar o cenário atual, será necessário integrar esforços entre saúde, educação e assistência social.

Quer entender melhor como isso funciona? O estudo completo está disponível aqui, abaixo.

Leia o artigo original

Adverse childhood experiences in children with neurodevelopmental disorders and their parents
Maria Davidsson, Frida Ringström, Bibbi Hagberg, Christopher Gillberg & Eva Billstedt
Nordic Journal of Psychiatry. Research Article. 26 de fevereiro de 2025
doi.org/10.1080/08039488.2025.2469737

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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG