Projeto da UFMG propõe uso de inteligência artificial como meio de identificar padrões que ajudem a desenvolver intervenções precoces e personalizadas. Objetivo é prever e prevenir suicídio e automutilação entre crianças e adolescentes brasileiros
E se fosse possível, com base em dados reais, prever quais crianças ou adolescentes estão em risco de se automutilar ou de cometer suicídio? Um grupo de pesquisadores brasileiros está tentando transformar essa possibilidade em realidade.
A pesquisa, liderada pelos professores Marco Aurélio Romano Silva e Débora Marques de Miranda, coordenadores do Centro de Tecnologia em Medicina Molecular (CTMM) da Faculdade de Medicina e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Neurotecnologia Responsável, começou a ser desenvolvida clinicamente.
Agora, o atual projeto foi viabilizado por meio de uma parceria com o CIIA-Saúde – Centro de Inovação em Inteligência Artificial para a Saúde, coordenado pelo professor Virgílio Almeida, em colaboração com os professores Wagner Meira e Gisele Pappa do Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG.
Acima de tudo, eles vão usar técnicas avançadas de inteligência artificial para desenvolver modelos capazes de prever desfechos psiquiátricos graves em crianças e adolescentes. Automutilação e suicídio, são os principais fatos que se busca prevenir.
Risco elevado e poucos estudos
Pode nem parecer, mas segundo a Organização Mundial da Saúde, 14% dos jovens, com idade entre 10 e 19 anos, sofrem com problemas de saúde mental. E, mais alarmante, segundo a Organização Panamericana de Saúde, a OPAS, seja como for, o suicídio já é a terceira causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos.
Apesar disso, essa faixa etária ainda é pouco estudada em psiquiatria. Isso dificulta a criação de políticas públicas e estratégias de prevenção. É justamente esse vazio que a pesquisa tenta preencher. Por isso, o projeto da UFMG aposta em modelos de aprendizado de máquina baseados em inferência contrafactual — técnica que simula o que poderia ter acontecido caso uma determinada intervenção tivesse sido feita.
Os pesquisadores usarão dados já coletados em atendimentos de emergência psiquiátrica para propor tratamentos personalizados e precoces. Dessa forma, modelos preditivos poderão ser propostos com o objetivo de orientar intervenções individualizadas, com foco na prevenção de novos casos.
O que já foi feito até agora
A equipe realizou uma revisão sistemática — quando os pesquisadores buscaram conhecer todos os artigos já publicados — sobre comportamento suicida entre jovens durante a pandemia. Em seguida, eles construíram uma base com os dados clínicos coletados de aproximadamente 2 mil pacientes atendidos em um serviço de urgência psiquiátrica de Belo Horizonte, ao longo de 2017.
Agora, essas informações começam a ser analisadas com técnicas de mineração de padrões frequentes, para identificar relações entre o perfil dos pacientes e os desfechos clínicos. Com base nos padrões encontrados, os pesquisadores vão desenvolver modelos de representação e inferência contrafactual.
Em outras palavras, esses modelos farão simulações de “cenários que não aconteceram, mas poderiam ter acontecido” (contrafactual). Isso vai permitir explorar o que teria ocorrido caso determinada intervenção tivesse sido adotada. Assim, o objetivo é indicar caminhos mais eficazes e personalizados para a prevenção e o tratamento de casos psiquiátricos graves em crianças e adolescentes.
O que nos diz a ciência internacional?
Em 2023, um outro artigo sobre o mesmo tema foi publicado na revista Translational Psychiatry, da Nature. Os cientistas estadunidenses, então, mostraram que é possível usar inteligência artificial para prever quadros psiquiátricos graves em adolescentes. A pesquisa foi desenvolvida pela pela professora de Psiquiatria Nina de Lacy, da Universidade de Utah, pelo professor Nathan Kutz, Universidade de Washington, e seus colaboradores.
O estudo utilizou dados clínicos de 5.792 jovens de 9 a 10 anos. Os algoritmos analisaram 88 variáveis, incluindo fatores familiares, neuropsiquiátricos, socioeconômicos e históricos médicos. A principal descoberta foi animadora: a IA conseguiu prever com alta precisão quais adolescentes desenvolveriam transtornos como depressão grave, ansiedade generalizada e pensamentos suicidas nos anos seguintes.
Mas há limites
Apesar dos bons resultados da pesquisa das universidades dos Estados Unidos, os próprios autores do artigo reconhecem que o modelo ainda enfrenta limitações. Entre elas, o uso de dados coletados em apenas um país, a dependência de autorrelatos e a dificuldade de generalização para contextos diferentes. Além disso, o modelo ainda não está pronto para uso clínico.
Não há, no estudo, recomendações específicas para pais ou responsáveis. Mas os cientistas estrangeiros defendem mais investimentos em ferramentas que permitam detectar precocemente os riscos. Certamente, IA pode evitar Risco de ‘desfechos psiquiátricos graves’ em jovens.
Semelhanças e diferenças com o projeto do NeuroTec-R
A pesquisa brasileira segue uma linha parecida com a dos Estados Unidos, mas avança ao propor o uso de inferência contrafactual para simular intervenções. Além disso, considera também os dados de interação digital — uma novidade importante, já que os jovens passam, em média, 8 horas por dia online.
Outra diferença é o foco explícito em construir bases de dados públicas e aplicáveis à realidade brasileira. E isso pode fazer toda a diferença.
Próximos passos
Nos próximos meses, os pesquisadores devem:
- Consolidar a base de dados de Belo Horizonte;
- Criar novos modelos para representar dados psiquiátricos;
- Desenvolver algoritmos preditivos;
- Testar modelos contrafactuais para simular intervenções personalizadas.
Conclusão
Prever não é “certeza de destino certo”, é sempre bom lembrar. Mas, desenvolver meios que permitam conhecer fatores que possam a levar a um provável resultado ou desfecho específico pode salvar vidas. Se os modelos propostos conseguirem identificar riscos antes que seja tarde, o impacto na saúde mental dos jovens brasileiros poderá ser imenso.
Como qualquer ferramenta, a inteligência artificial sozinha não resolverá o problema. Mas, bem usada, pode virar uma poderosa aliada da psiquiatria — e da vida. Logo, a IA pode evitar Risco de ‘desfechos psiquiátricos graves’ em jovens
NeuroTec-R e Pesquisa Responsável
Esta pesquisa, como as demais desenvolvidas pelo NeuroTec-R, não só promove a colaboração aberta entre cientistas, como também apresenta transparência metodológica e validação de amostras representativas. Este Instituto incentiva a ciência aberta e responsável. Em outras palavras, isso inclui a participação de cidadãos, pesquisadores e gestores públicos no desenvolvimento ético de neurotecnologias, capaz de transformar a saúde, além de promover o desenvolvimento de nosso país. Sempre em acordo com as diretrizes do conceito de Pesquisa e Inovação Responsáveis (PIR).
[Para saber mais…]
- Organização Mundial da Saúde. Mental health of adolescents.
- de Lacy N et al. Predicting individual cases of major adolescent psychiatric conditions with artificial intelligence. Transl Psychiatry. 2023.
- Alerta do coordenador do CIIA-Saúde – Centro de Inovação em Inteligência Artificial para a Saúde.
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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG