Pesquisa holandesa propõe forma de prever como nos cuidamos

nova forma de prever como pessoas cuidam da própria saúde
Incluindo a experiência subjetiva, e não apenas as crenças e intenções - Modelo inovador explica quase metade do comportamento de saúde, ao atribuir valor à experiência humana - Imagem Freepix.com

Estudo identifica conexões inéditas entre emoções, decisões e bem-estar físico. Isso pode revelar como as expectativas moldam escolhas cotidianas ligadas ao corpo e sugere que fatores psicológicos podem antecipar tendências de autocuidado. E ainda propõe ferramentas para aprimorar estratégias de promoção da saúde pública.


Por que duas pessoas com o mesmo diagnóstico escolhem caminhos tão diferentes para cuidar da própria saúde? Enquanto uma adota novos hábitos e se adapta às limitações, a outra ignora solenemente todas as recomendações médicas e mantém os mesmos comportamentos de risco de sempre. 

Um artigo assinado por pesquisadores de universidades da Holanda, Espanha e Reino Unido, adianta que isso pode estar relacionado à forma como cada pessoa experimenta a própria saúde. E muito menos à doença, em si. 

Os autores propõem explicar o comportamento de saúde por meio do modelo de experiência subjetiva de saúde ampliado. Os resultados que levam a tal proposta foram publicados em setembro de 2025, na revista Frontiers in Psychology

É bom esclarecer o que seja um modelo teórico e estatístico, não é? Trata-se de uma estrutura lógica que pode ser usada para entender relações entre coisas subjetivas. Subjetivo, por sua vez, é aquilo que depende da nossa percepção, como as emoções, sentimentos e opiniões pessoais. E não de medições objetivas, como altura, peso ou temperatura do corpo. Dor e sofrimento, são experiências individuais e subjetivas. 

Dirigido a permitir que os cientistas possam antecipar comportamentos em saúde, essa forma de olhar o comportamento de cada pessoa pode permitir estimar a probabilidade de adotar hábitos, como praticar atividade física, seguir um tratamento específico ou parar de fumar, entre outros exemplos.

Coleta on-line e com certificação internacional

O trabalho da universidade holandesa foi liderado pelos cientistas Damien Broekharst e Sjaak Bloem, da Nyenrode Business University. O Instituto analisou respostas de 2.550 cidadãos holandeses, que participaram de uma pesquisa on-line realizada entre setembro e dezembro de 2021.

Usando um questionário padronizado, avaliamos sete dimensões da experiência em saúde: percepção, aceitação, controle, saúde vivenciada, saúde projetada, adaptação e comportamento de saúde. O instituto IPSOS, uma das maiores e mais respeitadas empresas globais de pesquisa de opinião e mercado, coletou, tratou e validou os dados, seguindo padrões éticos e de privacidade reconhecidos internacionalmente.

O estudo em números

Entre setembro e dezembro de 2021, os participantes responderam questionários sobre percepção de saúde, aceitação, controle, projeções futuras e comportamentos de cuidado, como alimentação, sono e consumo de álcool. As análises estatísticas mostraram que o novo modelo explica entre 39% e 51% do comportamento de saúde, uma taxa significativamente maior que a de teorias anteriores.

Os dados revelaram ainda que aceitar a própria condição e sentir-se no controle são variáveis centrais. Quando combinadas à percepção e à expectativa de saúde futura, essas dimensões formam as rotas mais fortes que ligam como nos sentimos à forma como cuidamos de nós mesmos.

Segundo Bloem, um dos autores, compreender essa rede de relações ajuda a desenhar intervenções mais humanas e eficazes. Em vez de apenas prescrever mudanças, profissionais de saúde poderiam atuar sobre a percepção e o senso de controle do paciente — ajustando como ele vê sua doença e sua capacidade de enfrentá-la.

Crenças, intenções e a tal da subjetividade humana

Modelos clássicos de psicologia e economia da saúde tentam prever se as pessoas seguirão dietas, praticarão exercícios ou tomarão remédios com base em crenças e intenções, atitudes e preferências. Só que, na prática, essas teorias costumam falhar. Os autores lembram que essas variáveis explicam menos de 30% do comportamento de saúde. “As intenções nem sempre viram ação”, reconhecem os pesquisadores.

A abordagem social-cognitiva tradicionalmente prevê o comportamento de saúde baseada em intenções e crenças, assumindo que as ações podem ser inferidas a partir delas. Contudo, o texto ressalta que essa predição é limitada, pois ela não captura a experiência real e vivida do indivíduo em relação à sua saúde.

O artigo propõe o modelo de experiência subjetiva de saúde para centrar a previsão do comportamento na experiência vivida da pessoa, e fatores como percepção, aceitação e controle a influenciam. Isso sugere uma mudança de foco das meras intenções para a realidade do dia a dia.

Nessa nova visão, a relação entre crenças/intenções e o comportamento se torna indireta e mediada pela experiência subjetiva. O que realmente molda as ações são as experiências subjetivas e a percepção individual de controle e capacidade de adaptação à própria condição de saúde.

Para superar esse limite, a equipe propõe um modelo centrado na experiência subjetiva de saúde, uma combinação de percepção pessoal, aceitação da própria condição e senso de controle sobre ela. Seguindo padrões éticos e de privacidade reconhecidos internacionalmente, os autores concluíram haver impacto direto e indireto nas decisões que afetam o bem-estar.

Qualidade, resultados e eficiência

O artigo cita o projeto europeu BEAMER (BEhavioral and Adherence Model for improving quality, health outcomes and cost-Effectiveness of healthcaRe), que já aplica essa lógica para aumentar a adesão a tratamentos em seis países. Seu principal objetivo é desenvolver um modelo computacional que compreenda e melhore a adesão dos pacientes aos tratamentos, visando otimizar a qualidade do atendimento e os resultados de saúde, além de otimizar a eficiência dos custos no sistema de saúde. 

O projeto europeu tem financiamento da Iniciativa de Medicamentos Inovadores (IMI), com garantia de financiamento de quase 12 milhões de Euros (2021–2026). Dessa forma, ele também demonstra na prática como podemos implementar a inovação em saúde de forma responsável, alinhando tecnologia, comportamento humano e impacto social. Da mesma forma que os princípios e diretrizes do conceito de Pesquisa e Inovação Responsáveis (PIR). (E de um excelente financiamento de pesquisa!)

Lições para o futuro

Os resultados foram particularmente expressivos entre pessoas com mais de 60 anos, grupo cuja longa convivência com doenças tende a fortalecer mecanismos de aceitação e adaptação. Isso sugere que o envelhecimento, longe de ser um obstáculo, pode ampliar a capacidade de autorregular o próprio comportamento de saúde.

Mesmo assim, o modelo abre novas rotas para pesquisas e políticas públicas mais realistas, voltadas à experiência concreta das pessoas.

Então …

Mais do que medir o que pensamos sobre a saúde, o estudo propõe olhar como vivemos. Ao incluir fatores subjetivos, como aceitação, controle e projeção, o novo modelo aproxima a ciência do cotidiano das pessoas e pode ajudar profissionais a promover mudanças duradouras de comportamento.

[Leia o artigo original]

Explaining health behavior: a new model centered around health experience and its determinants.
Broekharst, D. S. E., Bloem, S., Groenland, E. A. G., et al. (2025). Frontiers in Psychology, 16, 1626812.
DOI: 10.3389/fpsyg.2025.1626812

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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG. (Com Assessoria de Imprensa Proex UFMG)