Autores, de diferentes entidades europeias, recomendam sete motivos para parceria com pacientes e defendem ‘inclusão científica’ para aumentar impacto, confiança e inovação com pesquisas em saúde. Outros estudos reforçam essa inclusão, que definem como necessidade ética, científica e cultural.
Um artigo de opinião publicado na revista The Patient, vem reforçar um movimento crescente. O texto propõe sete pontos importantes para garantir que as pessoas com experiência vivida em saúde não sejam apenas objetos de estudo, mas autores.
Assinado por uma equipe destacada no campo da representação de entidades de promoção e defesa de pacientes, comunicadores científicos e representantes de organizações de base, o texto defende que a ciência precisa mudar.
E a proposta é ambiciosa: transformar a lógica tradicional da pesquisa biomédica ao reconhecer a experiência vivida como parte legítima da produção do conhecimento.
Pacientes, apesar de viverem diretamente as doenças, historicamente foram excluídos da autoria científica por que suas experiências ainda são vistas como subjetivas demais, emocionais demais ou não técnicas o suficiente.
Segundo os autores, a mudança fortalece a credibilidade dos estudos e os torna mais aplicáveis. Trata-se de um caminho necessário para enfrentar as “desigualdades epistêmica”, ou seja, inverte o ponto de vista de quem pode produzir, validar e circular saberes.
Ao mesmo tempo em que promove diversidade, equidade e impacto social, deve ser parte integrante de um novo modelo de governança científica, inspirado nos princípios da Pesquisa e Inovação Responsáveis (RRI), já adotados pela União Europeia.
O que propõem os autores do artigo
Da validação simbólica à autoria compartilhada
Dentre outras sugestões, os autores recomendam substituir o termo “centrado no paciente” por “parceria com o paciente”. Mas, eles advertem que essa mudança não é apenas semântica. Ela determina uma nova lógica, colaborativa.
A ativa participação dos pacientes em todas as fases da pesquisa inclui a participação desses pacientes em comitês editoriais, o relacionamento com os especialistas, definição de prioridades científicas, a abertura de todos os artigos com participação de pacientes e a discussão sobre formas éticas e legais de compensação por seu tempo e contribuição intelectual.
Do ponto de vista da valorização e acesso às informações produzidas, a proposta também leva em conta a criação de metadados, para serem usados para facilitar a identificação e a recuperação desses artigos.
Afinal, se os pacientes escrevem, eles também devem conseguir ler. O grupo sugere ainda que todos os artigos com autoria de pacientes sejam artigos de acesso aberto, considerado um pilar da Pesquisa e Inovação Responsáveis.
Essas ações miram diretamente em obstáculos concretos da prática científica. Pacientes podem enfrentar dificuldades financeiras, barreiras de linguagem e falta de formação específica, por exemplo.
As instituições precisam, acima de tudo, ser capazes de identificar esses problemas e remover barreiras. “E não exigir que os pacientes se ajustem às estruturas já existentes”, advertem os autores.
As sete ações sugeridas
1. Inverter a lógica da exclusão
A coautoria de pacientes não deve ser prêmio, e nem exceção. Toda exclusão precisa ser justificada. A experiência vivida deve ser reconhecida como fonte legítima de conhecimento.
2. Mudar o vocabulário da prática
O termo “parceria com o paciente” indica uma relação horizontal. O foco sai da validação e vai para a colaboração, com corresponsabilidade no processo de pesquisa.
3. Incluir pacientes nos comitês editoriais
Para que a pluralidade de visões esteja presente desde o início, é necessário garantir assento a pacientes nos espaços de decisão editorial.
4. Promover colaborações reais entre autores
Mais do que incluir nomes no rodapé, é preciso fomentar trocas significativas, capacitação mútua e equilíbrio nas relações de poder.
5. Criar metadados de identificação
Propor uma metatag “autor paciente” ajudaria a rastrear, valorizar e estudar esse tipo de produção. Iniciativas como a do BMJ já avançam nesse sentido.
6. Discutir compensações justas
Reconhecer o tempo e o esforço dos pacientes por meio de doações, bolsas ou outras formas transparentes é uma forma de ampliar o acesso e reduzir desigualdades.
7. Garantir acesso aberto às publicações
A proposta final defende que todo artigo com coautoria de pacientes seja de acesso aberto — em consonância com os princípios da Pesquisa e Inovação Responsáveis (RRI), adotados pela União Europeia.
O que dizem outras pesquisas sobre esse modelo
“O envolvimento de pacientes pode transformar o processo de pesquisa”, foi um dos principais resultados de um estudo conduzido por Stella Babatunde e outros pesquisadores residentes no Canadá.
Publicado em 2023, na revista Research Involvement and Engagement, a pesquisa usou uma metodologia mista, com questionários online e entrevistas qualitativas. Segundo esse estudo, a estratégia de oferecer treinamentos, horários flexíveis e comunicação contínua foi primordial para o sucesso da iniciativa.
Mais do que expressar opiniões, os pacientes ajudaram a reformular hipóteses, reposicionar focos de estudo e propor soluções para questões negligenciadas. A maioria relatou que se sentiu valorizada e ouvida, com impactos visíveis na relevância dos resultados e na qualidade da publicação.
O que já se sabia de outros estudos é que esse tipo de participação tem alcançado melhor desempenho em métricas de impacto: maior número de downloads, engajamento em redes sociais e disseminação pública. Isso amplia o alcance da ciência e fortalece a confiança social em seus resultados.
Nem só experts: a crítica ao modelo do “paciente especialista”
A farmacologista Paola Zaratin, diretora científica da Fundação Italiana de Esclerose Múltipla, tem se destacado na divulgação da importância da inclusão de pacientes na pesquisa em saúde.
Em comentário publicado na revista Multiple Sclerosis Journal, ainda no início de 2025, ela já alertava para a importância dessa prática, mas sem se limitar à participação de “pacientes especialistas”. Há risco de que isso, por sua vez, possa gerar um novo desequilíbrio de poder e comprometer a representatividade.
Para Zaratin, os modelos de governança científica devem reconhecer não apenas o conhecimento técnico, mas também a vulnerabilidade e a diversidade de experiências. “A responsabilidade por tornar a ciência mais inclusiva é multissetorial e recai sobre universidades, agências financiadoras, editoras e organizações da sociedade civil”, alerta, engajada.
Participação ativa: o caso da esclerose múltipla
Um exemplo concreto do potencial da coautoria de pacientes é apresentado em outro artigo, mais recente, de Mariarosaria Savarese, junto com Zaratin e outras pesquisadoras, também publicado na revista Research Involvement and Engagement.
O estudo envolveu 1.120 pessoas com esclerose múltipla, oriundas de diferentes países e perfis socioeconômicos. Os resultados indicam clara disposição de participar ativamente do fazer científico Mas, os pacientes também identificaram obstáculos como fadiga, insegurança, barreiras de idioma e medo de não estar à altura.
A princípio as autoras defendem que essas barreiras não sejam vistas como impeditivos. Isto é, que sejam vistas como indicativos de onde investir esforços: capacitação, apoio emocional e formatos acessíveis de comunicação científica.
Mas, acima de tudo, elas incentivam a governança da pesquisa a não perceberem essa participação como um “extra” ou uma formalidade simbólica. O texto orienta, por fim, ser necessário institucionalizar essa estratégia. Por certo trata-se de parte do ciclo da pesquisa, desde a chamada pública até a publicação dos resultados.
Mais do que inovação, uma revolução
A Aliança Internacional para a Esclerose Múltipla Progressiva, que reúne universidades e entidades de pacientes em diferentes países, já aplica um modelo de governança participativa, baseado nos princípios da RRI.
A experiência da entidade internacional confirma: a ciência se torna mais relevante, ética e confiável quando desenvolvida em coautoria com as pessoas que vivenciam problemas que se pretende resolver. E isso não é apenas uma inovação editorial, mas uma revolução ética, científica e cultural. O resultado dessa abordagem é uma ciência mais justa, mais eficiente e mais próxima das pessoas não apenas para,
No Brasil, o INCT NeuroTec-R também adota essa abordagem em suas estratégias de engajamento. Eles fazem isso aplicando um modelo inovador que está totalmente alinhado com o princípio da Pesquisa e Inovação Responsáveis (RRI), promovido pela Comunidade Europeia.
Portanto, a proposta de incluir pacientes como coautores em pesquisas científicas não é apenas uma inovação metodológica. Ela serve para corrigir distorção profunda: o fato de que só certos grupos — geralmente acadêmicos, profissionais de saúde ou técnicos — têm voz reconhecida na produção do conhecimento.
[Leia os artigos consultados]
Seven Actions Towards Advancing Patient Authorship and Collaboration in Peer-Reviewed Publications
Bharadia, T., Geissler, J., Robson, R. e colegas. Patient (2025).
Working together in health research: a mixed-methods patient engagement evaluation.
Babatunde, S., Ahmed, S., Santana, M.J. e colegas. Res Involv Engagem. 9, 62 (2023)
We need to engage representative patients’ community rather than ‘expert patients’ to increase impact of research in the era of personalized medicine
Paola Zaratin. Multiple Sclerosis Journal. Commentary. 2025, Vol. 31(4) 396 –397
Enhancing patients’ role in scientific writing: insights from a global participatory approach with people with multiple sclerosis
Mariarosaria Savarese, Dilara Usta, Federico Bozzoli, Vanessa Fanning, Federica Molinari, Guendalina Graffigna & Paola Zaratin. Research Involvement and Engagement. 2025
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Marcus Vinicius dos Santos (+ link) – jornalista CTMM Medicina UFMG