Doenças do cérebro afetam mais da metade da população dos EUA; problema comum e pouco percebido

Doenças do cérebro afetam mais da metade da população dos EUA
Ao mapear diferenças entre estados, o estudo ajuda a identificar onde a incapacidade neurológica se concentra e onde intervenções estruturais podem fazer mais diferença (Imagem ilustrativa Freepik.com)

Análise nacional baseada no estudo “Global Burden of Disease” revela que distúrbios do sistema nervoso atingiram 54% da população dos Estados Unidos em 2021; problema é responsável pela maior carga de incapacidade do país

Doenças que afetam o cérebro, a medula espinhal e os nervos estão longe de ser raras. Na prática, elas fazem parte do cotidiano de milhões de pessoas. Em 2021, cerca de 54% da população dos Estados Unidos, o equivalente a aproximadamente 180 milhões de indivíduos, convivia com ao menos um distúrbio do sistema nervoso. Além disso, essas condições responderam pela maior parcela de incapacidade no país, superando outros grandes grupos de doenças.

Os números aparecem em um estudo publicado em novembro de 2025 na revista Jama Neurology, liderado pelo neurologista John P. Ney, da Yale University. Para chegar a esses resultados, os autores analisaram dados do Global Burden of Disease 2021

Considerado uma das bases mais amplas e consolidadas da epidemiologia mundial, o GBD é um estudo que quantifica a perda de saúde em diferentes locais e ao longo do tempo. A ferramenta é usada para aprimorar os sistemas de saúde, permitindo eliminar suas disparidades.

Um retrato populacional, não um ensaio clínico

Ao contrário de estudos que acompanham voluntários ao longo do tempo, esta pesquisa analisou toda a população dos Estados Unidos. Os pesquisadores recorreram às estimativas produzidas pelo Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), da Universidade de Washington. Esse sistema integra registros hospitalares, dados de seguros de saúde, estudos populacionais e estatísticas oficiais.

A equipe avaliou 36 condições que afetam o sistema nervoso, incluindo enxaqueca, acidente vascular cerebral, doença de Alzheimer, epilepsia, neuropatias e transtornos do neurodesenvolvimento. Em seguida, os autores aplicaram modelos estatísticos padronizados por idade para estimar prevalência, mortalidade e impacto funcional dessas doenças

Por que incapacidade pesa mais do que mortes

Em vez de se concentrar apenas em óbitos, o estudo priorizou o impacto funcional. Para isso, os pesquisadores usaram métricas amplamente adotadas na saúde pública, como anos vividos com incapacidade (YLDs), anos de vida perdidos por morte precoce (YLLs) e anos de vida ajustados por incapacidade (DALYs).

Esse método permite comparar condições muito diferentes entre si. Enquanto uma enxaqueca raramente leva à morte, ela pode comprometer o funcionamento diário por décadas. Já um acidente vascular cerebral (AVC), embora muitas vezes não seja fatal, pode reduzir drasticamente a autonomia. Em outras palavras, ambas geram perda real de qualidade de vida — e ambas entram na conta

O que aparece com mais frequência — e o que pesa mais

As cefaléias, especialmente a enxaqueca e a dor de cabeça tensional, lideraram em prevalência. No entanto, quando o critério passa a ser incapacidade, o ranking muda. AVC, Alzheimer e outras demências, neuropatia diabética e enxaqueca concentraram a maior parte dos anos vividos com limitações funcionais.

Segundo os autores, esse contraste ajuda a explicar por que a carga neurológica permanece elevada, mesmo com avanços no tratamento e na redução da mortalidade

Mais sobrevivência, mais anos com limitações

Entre 1990 e 2021, as taxas de mortalidade associadas a distúrbios neurológicos caíram nos Estados Unidos. Ainda assim, os anos vividos com incapacidade aumentaram. Ou seja, mais pessoas sobrevivem a eventos graves, mas continuam convivendo com déficits cognitivos, motores ou sensoriais por longos períodos.

O estudo não interpreta esse cenário como fracasso da medicina. Pelo contrário. Ele aponta um efeito colateral do sucesso em salvar vidas, sem que haja avanços proporcionais em prevenção e reabilitação de longo prazo

Onde a pessoa mora também faz diferença

A análise revelou diferenças claras entre os estados. Regiões do sul dos Estados Unidos, como Mississippi, Alabama e Louisiana, apresentaram as maiores taxas padronizadas de incapacidade neurológica. Já estados do nordeste, como Massachusetts e Nova York, registraram as menores.

Embora o artigo não atribua causas diretas a essas variações, ele mostra que o padrão é consistente. Portanto, a carga das doenças neurológicas não se distribui de forma homogênea pelo país, o que tem implicações diretas para o planejamento em saúde

O que os dados obrigam a reconsiderar

Quando mais da metade da população convive com algum distúrbio neurológico, o desafio deixa de ser pontual e passa a ser estrutural. Nesse contexto, tratar apenas episódios agudos já não basta. Torna-se necessário investir em diagnóstico precoce, controle de doenças crônicas, acesso à reabilitação e suporte contínuo.

Os autores evitam prescrever soluções específicas. Ainda assim, ao detalhar onde a incapacidade se concentra e como ela evoluiu ao longo do tempo, o estudo fornece evidências que podem orientar decisões mais informadas — e evitar respostas improvisadas

[Leia o artigo original]

US burden of disorders affecting the nervous system: from the global burden of disease 2021 study
John P. Ney (Yale University); Jaimie D. Steinmetz, Catherine W. Gillespie, Xaviera Steele (Institute for Health Metrics and Evaluation, University of Washington); Ellen Anderson-Benge, Amanda Becker (American Academy of Neurology); Gregory J. Esper (Emory University).
JAMA Neurology, Original Investigation. Global Burden Of Disease. Novembro de 2025. 

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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG