Exame de sangue detecta doença de Alzheimer antes de sintomas; isso pode mudar o jogo, mas ainda há dúvidas

Artigo publicado na revista Nature chama a atenção para uma novidade promissora: em breve os exames de sangue poderão ser usados como principal método de detecção de biomarcadores biológicos circulantes, para diagnóstico e monitoramento da doença de Alzheimer, dentre outras. Especialistas, no entanto, pedem cautela e mais tempo de estudos populacionais, antes da adoção em larga escala. Entenda e participe conscientemente dessa mudança. 


Cientistas estão cada vez mais confiantes no uso de testes de sangue para diagnosticar a doença de Alzheimer. O avanço mais recente são os exames que detectam a proteína p-tau217, um marcador específico da doença, com mais de 90% de precisão. 

Segundo o artigo do jornalista especializado em ciência Elie Dolgin, publicado na seção Outlook da revista Nature, em 17 de abril, esses exames já estão disponíveis no Japão, Reino Unido e União Europeia. 

E o entusiasmo é grande, porque o método é mais barato, mais rápido e até menos invasivo do que os tradicionais exames de imagem cerebral ou punções lombares. E, além disso, pode ser ainda melhor, inclusive para o para o diagnóstico precoce, do que todos os métodos atualmente usados. 

Com um simples exame de sangue os médicos vão poder identificar alterações cerebrais típicas da doença de Alzheimer, ainda nos estágios iniciais — e quando intervenções podem retardar a progressão da doença.

Apesar disso, o Dolgin alerta: o uso em populações assintomáticas ou em programas de rastreamento em larga escala ainda requer cautela e mais validação científica.

Como funcionam os exames e por que isso é relevante

O exame de sangue que detecta doença de Alzheimer [antes dos sintomas] identifica biomarcadores como a proteína tau fosforilada (p-tau217). Essa proteína aparece no sangue quando há danos cerebrais típicos do Alzheimer. Pelo menos até agora, a eficácia do uso dessa proteína tem se mostrado maior do que o uso de outros marcadores.

Os exames atualmente usados, como tomografias ou testes de líquor, embora eficazes, são caros. Além disso, eles levam um tempo para serem liberados e podem ser desconfortáveis. Já os testes de sangue são simples. E podem ser feitos em um número muito maior de laboratórios. Isso não só facilita o diagnóstico precoce, como pode tornar os tratamentos mais acessíveis.

A reportagem publicada na revista Nature cita o caso de uma norte-americana, Ellen. Durante um passeio de bicicleta, Ellen se viu com dificuldades para seguir dicas simples de navegação, o que, até então, para ela era coisa simples.

Por meio de um exame de sangue foi diagnosticado que “Ellen estava nos estágios iniciais [da doença de Alzheimer], uma forma devastadora de demência que corrói a memória e afeta milhões de pessoas em todo o mundo”, descreve o texto de Elie Dolgin.

A partir daí, e antes dos sintomas se agravarem, ela recebeu terapia com anticorpos. [Leia “Anvisa aprova novo medicamento para doença de Alzheimer em fase sintomática inicial”]. O resultado? Uma gradativa redução no seu declínio cognitivo e significativa melhora da qualidade de vida de Ellen.

Impacto social, promessas e desafios

Os cientistas defendem que, usados com ética e conhecimento, esses exames podem transformar o diagnóstico e o tratamento do doença de Alzheimer. Mas há riscos. Um dos principais é o uso fora do contexto clínico: a detecção precoce pode causar ansiedade, insegurança com planos de saúde e uso indevido de medicamentos ainda em avaliação.

Nicholas Ashton, alerta no artigo para o risco de se depositar no uso dos biomarcadores uma expectativa maior do que eles são capazes de atender. Ele cita como exemplo o rastreio de “riscos futuros” ou para “medir eficácia de intervenções”, antes que existam evidências científicas suficientes para esses usos.

Outro desafio é garantir a equidade: a maioria dos estudos clínicos foi feita com populações brancas, ricas e saudáveis. Fatores como etnia, gênero, hipertensão, doenças renais, por exemplo, podem afetar os níveis dos biomarcadores. Isso significa que os testes ainda precisam ser validados em grupos mais diversos antes de serem usados de forma ampla e segura.

Próximos passos para democratizar o diagnóstico

O próximo desafio é levar esses testes aos consultórios de atenção primária. Como explica o neurologista Jeffrey Burns, os exames estão prontos, mas os sistemas de saúde ainda não. Falta capacitação dos profissionais, acesso rápido a especialistas e protocolos claros de encaminhamento.

Mas as empresas e centros de pesquisa já testam soluções. A Mayo Clinic, nos EUA, coleta amostras de sangue de pacientes submetidos a exames mais caros para comparar resultados. A meta deles é validar os testes em larga escala, com pacientes reais.

Enquanto isso, startups como a BetterBrain, já oferecem pacotes completos de saúde cerebral com p-tau217, mesmo que parte da comunidade científica considere esse uso prematuro.

O avanço é real, mas o processo científico sempre valoriza e investiga suas incertezas. Para que tragam benefícios reais à população é preciso combinar tecnologia com responsabilidade, validação ampla e diretrizes claras.

Legisladores e governantes, o sistema de saúde, com a ajuda dos pesquisadores, e a ativa participação de toda a sociedade, precisam exigir, sempre, que essa corrida seja segura, justa e acessível para todos.

NeuroTec-R e ciência responsável

No Brasil, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (NeuroTec-R) apoia diretrizes da Pesquisa e Inovação Responsáveis (PIR), promovendo a integração entre pesquisadores, setor público, empresas e a sociedade. Iniciativas como um exame de sangue que detecta doença de Alzheimer antes dos sintomas, ganham ainda mais força quando associadas a princípios como ética, equidade e participação social.

Leia o artigo original

Blood will tell
Elie Dolgin. Nature. Alzheimer’s Disease Outlook. Volume 640.  Páginas S11–S13. 17 Abril 2025

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Texto: Marcus Vinicius dos Santos  Perfil – jornalista CTMM Medicina UFMG

(Este texto foi atualizado em 13/05/2025, às 17h30)