Neurociência e IA se unem em busca de equilíbrio; desafio inclui decifrar futuro do cérebro-máquina

Neurociência e IA se unem em busca de equilíbrio
Avanços nos modelos de aprendizado de máquina  e da IA promovem uma revolução na neurociência ao contribuir para a análise de dados em larga escala  e  construir modelos de base de atividade neural - Imagem ilustrativa: Banco de fotos Vecteezy

Combinando inteligência artificial e neurociência, a NeuroAI organiza dados cerebrais, prevê respostas neurais e gera novas hipóteses científicas. Isso, por sua vez, abre novos e inimagináveis caminhos para a inovação responsável em neurotecnologia

A NeuroAI está dando certo. Esta é a principal mensagem dada pela dupla de professores de Neurociência Computacional Sadra Sadeh, do King’s College London, e Claudia Clopath, do Imperial College London, em “O surgimento da NeuroAI: unindo a neurociência e a inteligência artificial”. O artigo foi publicado no começo de agosto, na conceituada revista científica Nature Reviews Neuroscience.

Os autores contam que, por décadas, a neurociência inspirou modelos de inteligência artificial (IA). Hoje, esse padrão se inverteu.

Criado em 1958, por Frank Rosenblatt, o perceptron foi a primeira tentativa de imitar matematicamente um neurônio. Algoritmo de aprendizagem supervisionada para classificadores binários, do tipo “sim” ou “não”, o perceptron simulava neurônios sensoriais, redes neurais, memória associativa, a organização da visão, e outros. 

Mais tarde, esse “neurônio artificial” também contribuiu para os estudos do aprendizado por reforço, se apoiou em como o cérebro lida com recompensas e nos mecanismos de atenção. Simples e revolucionário, à época abriu a estrada para as redes neurais modernas.

Os modelos fundacionais e a grande virada

Recentemente, novas ferramentas de IA passaram a influenciar uma revolução na pesquisa sobre o cérebro. E foi dessa inversão metodológica que nasceu a NeuroAI. Trata-se de um campo emergente que promete transformar como entendemos a mente e criamos novas aplicações em neurotecnologia. E foi daí também que surgiu um novo marco: os modelos de fundação, ou de base

Diferentemente de seus antecessores, esses novos modelos de aprendizagem de máquina em larga escala podem aprender padrões complexos a partir de enormes conjuntos de dados. E, assim, permitem prever, por exemplo, como regiões do cérebro respondem a estímulos, ou decodificar a fala e até antecipar sinais de doenças neurológicas.

O grande objetivo da NeuroAI é avançar a compreensão sobre a complexidade do cérebro, equilibrando respeito à biologia e uso intensivo de poder computacional, definem os autores. Esse equilíbrio é o que dará sentido ao campo e evitará que se perca o essencial: entender o que torna a inteligência biológica única, advertem.

Mas, o que é a NeuroAI ?

Neurociência é o estudo do cérebro e do sistema nervoso. 

IA é um campo da ciência da computação que se ocupa de desenvolver tecnologias que permitem que máquinas simulem a inteligência humana para resolver problemas. Dessa forma, por exemplo, é possível realizar em segundos avançados processos, com gigantescos volumes de dados, o que permite simular o raciocínio, aprender, planejar, perceber, orientar, etc. 

NeuroAI junta os dois campos diferentes: neurociência e inteligência artificial (IA). Ela faz a exploração da IA e aplica algoritmos avançados ao oceano de dados que a neurociência produz. 

Promessas da NeuroAI

O artigo do Sadra e da Cláudia destaca três frentes principais:

  • Organizar e analisar dados em larga escala: automatizar (e agilizar) o trabalho de processar imagens, vídeos e sinais neurais que chegam a petabytes por dia, ou seja, aproximadamente um milhão de gigabytes (GB) ou 1.000 terabytes (TB).
  • Modelar e prever atividade neural: criar modelos fundacionais capazes de prever como o cérebro reage a novos estímulos, ajudando a ligar estrutura e função.
  • Gerar e testar hipóteses científicas: usar IA para cruzar achados da literatura científica, propor novas perguntas, simular experimentos e indicar os mais promissores para teste em laboratório.

Tem desafios pela frente: e não são poucos!

Apesar do potencial, os autores também apontam barreiras:

  • Interpretabilidade limitada: modelos podem prever padrões, mas sem explicar como eles surgem.
  • Maldição da dimensionalidade: dados em excesso podem esconder mais do que revelar.
  • Reprodutibilidade: Pipelines, ou dutos de dados, cada vez mais complexos dificultam validar e replicar descobertas. Um pipeline é um processo. Como uma esteira rolante, ele determina maneira e ordem que dados fluem de um sistema a outro.
  • Formação de cientistas: risco de criar profissionais que dominam softwares, mas não entendem de biologia e não conseguem analisar seus resultados.
  • Futuro da modelagem: a NeuroAI precisa evoluir para modelos mecanísticos, capazes de explicar como o cérebro aprende, esquece, processa com eficiência energética e até como o sono sustenta funções cognitivas.

Horizonte é promissor

A revolução da NeuroAI não será medida pela sofisticação dos algoritmos, mas pela sua capacidade de iluminar os mistérios do cérebro humano, afirmam os autores. O sucesso do campo depende de não perder de vista o que faz a inteligência biológica tão notável.

E esses avanços já estão entre nós. Um exemplo disso são as próteses controladas pelo pensamento, ou aquelas capazes de decodificar a fala, prever crises epiléticas e até contribuir para que o médico possa dar o diagnóstico precoce de doenças, como a de Alzheimer, cada vez mais cedo. 

Ao mesmo tempo, a neurociência também pode inspirar novas IAs, mais inteligentes, mais adaptativas e mais econômicas em termos de energia.

[Leia o artigo original]

The emergence of NeuroAI: bridging neuroscience and artificial intelligence
Sadra Sadeh e Claudia Clopath. Nature Reviews Neuroscience. Publicado em 7 de agosto de 2025.
https://doi.org/10.1038/s41583-025-00954-x

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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG