Nova declaração universal de bioética IA e saúde no centro dos debates

IA e saúde planetária no centro dos debates
Pela primeira vez, o conceito de “One Health”, saúde única, entra oficialmente na declaração (Art. 14). - Imagem freepik

A International Chair in Bioethics divulgou uma versão atualizada da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, aberta para análise pública. O documento traz novas diretrizes sobre inteligência artificial (IA), saúde global e combate à discriminação. Entenda o que muda e como isso pode impactar pesquisas e políticas públicas.


A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, adotada pela UNESCO, em 2005, define princípios fundamentais para a ética na ciência e na medicina. Principalmente, o documento defende dignidade, justiça e não discriminação. No entanto, problemas como desigualdade e estigmatização ainda são comuns.

Para equilibrar avanços tecnológicos e direitos humanos, a proposta de uma nova declaração universal de bioética coloca IA e saúde planetária no centro do debate. Ela foi apresentada durante a 16ª Conferência Mundial de Bioética, no Brasil, em julho de 2024. Agora, em março de 2025, a International Chair in Bioethics (ICB) divulga uma versão revisada.

A entidade, que surgiu na UNESCO e hoje é independente, se constitui como rede organizações de treinamento em ética médica. A proposta parte para ser analisada globalmente por especialistas da área.

IA na pesquisa médica ganha regras mais claras

Pela primeira vez, o documento define diretrizes específicas para IA na saúde e pesquisa. Algoritmos usados em diagnósticos não podem ser “caixas-pretas” — ou seja, precisam ser transparentes e explicáveis. Hospitais deverão detalhar como a IA chega a determinadas conclusões.

Outro ponto relevante: IA não pode ser considerada “autora” de estudos. Toda decisão baseada nessas tecnologias deve ter responsabilidade humana (Art. 5). O objetivo é reduzir vieses algorítmicos e evitar erros discriminatórios em diagnósticos.

Seus dados genéticos agora têm proteção extra

A atualização inclui o “direito ao esquecimento” digital (Art. 12), permitindo que pessoas removam dados pessoais de bancos de informação. No entanto, há uma exceção para dados genéticos usados em pesquisas, com a justificativa de que o DNA carrega informações compartilhadas por famílias inteiras.

Outra mudança importante afeta empresas de testes genéticos caseiros. Elas deverão ser mais transparentes sobre como utilizam e comercializam os dados dos usuários. “Não dá para vender ancestralidade com uma mão e patentear genes com a outra”, critica uma especialista em biodireito.

One Health: saúde humana, animal e ambiental conectadas

O conceito de “One Health”, que une saúde humana, animal e ambiental, agora faz parte da Declaração (Art. 14). A pandemia de COVID-19 reforçou como doenças podem atravessar espécies e se tornar incontroláveis.

O documento também reconhece o papel das comunidades indígenas na preservação ambiental. Quem protege a floresta há séculos sabe como evitar desastres ecológicos. Essa abordagem holística pode prevenir novas crises sanitárias.

Bioética contra desigualdades

A Declaração original já condenava discriminação e estigma (Art. 11). Agora, o texto reforça medidas concretas. Sob o mesmo ponto de vista, estudo de pesquisadores brasileiros destaca que estereótipos como associar favelas à criminalidade perpetuam exclusão social e violam direitos humanos.

A atualização também cita a discriminação positiva, como cotas raciais e leis de proteção às mulheres, exemplificando formas de combater desigualdades históricas sem ferir a equidade. No entanto, o documento adverte que legislação não basta: é preciso investir em educação antirracista e acessibilidade.

O impacto do estigma na saúde

Pessoas vivendo com HIV/AIDS, transtornos mentais ou doenças negligenciadas ainda enfrentam discriminação. No entanto, isso dificulta o acesso a tratamentos. A Declaração reforça a necessidade de combate a esse estigma e maior inclusão no atendimento médico.

Entretanto, na prática, barreiras estruturais e culturais ainda excluem muitas dessas populações. Para mudar esse cenário, é essencial que governos, instituições acadêmicas e profissionais de saúde traduzam os princípios da Declaração em ações concretas.

Políticas públicas para transformar princípios em realidade

A aplicação da Declaração depende de políticas públicas que garantam equidade no acesso à saúde. Programas de formação para profissionais, campanhas educativas e incentivos à inclusão são essenciais para combater a discriminação estrutural nos sistemas de saúde.

Além disso, legislações nacionais devem refletir esse compromisso, garantindo proteção contra o preconceito e mecanismos de fiscalização eficientes. Assim, a Declaração pode ir além do papel e influenciar práticas médicas e sociais.

O que vem a seguir?

Nova declaração universal de bioética IA e saúde no centro do debate afirma que o texto final da proposta será discutido ao longo de 2025 em consultas públicas. Um dos principais desafios será equilibrar avanços tecnológicos com direitos humanos, especialmente em países com legislação frágil sobre IA e edição genética.

Enquanto isso, a International Chair in Bioethics segue pressionando por comitês de ética independentes em hospitais e universidades. Para o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (NeuroTec-R), a inclusão de diretrizes sobre interfaces cérebro-computador (Art. 11) reforça a necessidade de regulação na neurotecnologia. Afinal, ler pensamentos não é mais ficção científica.


Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG