Bem-estar comum pode transformar a humanidade; estudo global revela desafio comum em países como Brasil e EUA

felicidade e satisfação com a vida; saúde física e mental
Global Flourishing Study Wave I (2022-2027) mostra que há urgência na proposição de políticas públicas voltadas para o bem-estar dos jovens; em média e na maioria dos países estudados, existe tendência de que pessoas acima dos 60 anos se sintam mais satisfeitas com a vida do que os mais jovens. Insegurança econômica, Solidão profunda e Conflitos culturais, são os principais problemas - Crédito da foto ilustrativa: Freeepik.com

Estudo com mais de 200 mil pessoas mostra que prosperar vai além da renda. Sensações de felicidade, saúde e propósito aumentam com a idade, em vários países, nos quais os jovens apresentam menores índices de bem-estar. Autores recomendam políticas que promovam perspectivas mais positivas nessa etapa da vida. Novas análises dos dados coletados estão sendo realizadas.

Seja sincero: você se sente bem vivendo a sua própria vida? Pode parecer uma questão simples, mas a resposta pode revelar muito sobre o rumo de uma comunidade ou da sociedade. Essa sensação tem nome: florescimento humano, termo usado nas pesquisas que acompanharam pessoas de diferentes perfis sociais e culturais em 22 países, entre eles Brasil, Japão, México e Quênia.

O objetivo? Em última instância, descobrir se o bem-estar comum pode transformar a humanidade, indo além dos aspectos relacionados a renda. Ou seja, com foco em seis dimensões principais: felicidade e satisfação com a vida; saúde física e mental; significado e propósito; caráter e virtude; relacionamentos sociais próximos; e segurança material e financeira.

Dentre os autores, estão os líderes do estudo, não só Tyler J. VanderWeele, epidemiologista da Escola de Saúde Pública TH Chan, da Universidade de Harvard, como também Byron R. Johnson, diretor do Instituto para Estudos da Religião da Universidade Baylor.

Eles publicaram um artigo de opinião na seção Comment, da revista Nature (30 de abril). A saber, nesse texto, eles relatam seus principais achados, após uma segunda etapa — ou onda —, de análises dos dados, e fazem propostas. 

Por fim, eles defendem que entender como esses fatores se combinam é essencial para formular políticas públicas de saúde, inclusive de saúde mental, mais eficazes, em todo o mundo.

O paradoxo da riqueza

Os moradores dos países mais ricos relataram segurança financeira e satisfação geral com a vida. No entanto, eles não se destacaram em aspectos como propósito, conexões sociais e atitudes pró-sociais – aquelas relacionadas a solidariedade e no sentimento de ajudar o próximo, sem esperar recompensas.

Já em países de renda média, como México e Filipinas, as pontuações mais altas foram em atitudes pró-sociais e na qualidade dos relacionamentos.

“Desenvolvimento econômico não garante felicidade. Precisamos equilibrar riqueza com humanidade”, alerta Johnson. E VanderWeele resume: “Ter mais nem sempre significa viver melhor”.

O florescimento ao longo da vida

No entanto, em países como os Estados Unidos e também o Brasil, os dados revelam uma tendência clara de que pessoas acima dos 60 anos tendem a se sentir mais satisfeitas com a vida do que os mais jovens.

Nos EUA, adultos com mais de 50 anos pontuaram 7,98 em uma escala de 0 a 10; jovens com menos de 30 atingiram apenas 6,22. No Brasil, a situação é semelhante (Veja imagem abaixo: “Florescendo com a idade”). Além disso, na Austrália, o padrão se repete: 7,9 para idosos contra 6,3 entre os mais novos.

Segundo os autores, estabilidade financeira, redes de apoio e maturidade emocional explicam parte desse aumento. Mas a crise silenciosa enfrentada pelos jovens exige atenção urgente.

Os pilares da crise jovem

O GFS identificou ainda que felicidade, saúde, propósito e segurança financeira estão em níveis mais baixos entre os menores de 30 anos. De acordo com o artigo, a pesquisa revelou três problemas centrais. Dessa maneira, quando combinados eles criam uma tempestade emocional para a juventude global:

  • Insegurança econômica, especialmente em países como México e Argentina
  • Solidão profunda, relatada por 45% dos jovens nos EUA
  • Conflitos culturais, entre autonomia (valorizada no Ocidente) e harmonia coletiva (prioridade no Oriente)

Porém, de acordo com o artigo do Global Flourishing Study, em alguns países a pontuação média de felicidade e satisfação com a vida foi mais alta entre os jovens. E não entre os mais velhos, como se poderia imaginar. E isso aconteceu principalmente em países africanos.

  • Quênia
  • Nigéria
  • Tanzânia

Essa inversão do padrão global, aparentemente reflete contextos culturais, expectativas sociais diferentes ou até dificuldades maiores enfrentadas na velhice nesses países. Ou seja, questões como o acesso limitado à saúde e proteção social.

Outros achados relevantes:

  • Pessoas com boas lembranças da infância e conexões religiosas frequentes tendem a florescer mais.
  • Experiências traumáticas, negligência ou exclusão na infância afetam negativamente o florescimento na vida adulta.
  • Prática religiosa está associada a maiores índices de bem-estar (7,7 entre frequentadores assíduos; 6,9 entre não praticantes).
  • Durante a pandemia, finanças e saúde foram mais afetadas que as conexões sociais, revelando certa resiliência.

Barreiras a superar

  1. Dimensões múltiplas: saúde, dinheiro e propósito nem sempre andam juntos.
  2. Subjetividade cultural: as pessoas interpretam escalas numéricas de formas distintas.
  3. Prioridades divergentes: autonomia no Ocidente, harmonia no Oriente.
  4. Viés nas respostas: jovens podem omitir vulnerabilidades.
  5. Falta de dados longitudinais: apenas 22 países participam do GFS; o mundo tem 195.

Mesmo com essas barreiras, os autores defendem que medir o florescimento é possível, necessário e viável, usando questionários simples e escalas validadas.

Reprodução de tabela do estudo
Tradução de tabela reproduzida do estudo. Crédito dos autores da pesquisa.

A saúde mental nos índices de bem-estar populacional

O artigo do Global Flourishing Study menciona a saúde mental de forma direta em pelo menos três contextos principais:

Depressão e ansiedade: Avaliadas por meio do questionário PHQ-4, ambas foram mais comuns entre mulheres e diminuem com a idade. Curiosamente, mostraram pouca relação com frequência religiosa, ao contrário de outras dimensões do bem-estar.

Como dimensão do florescimento: Saúde mental é uma das seis áreas centrais avaliadas no índice de florescimento, ao lado de felicidade, saúde física, propósito, caráter e estabilidade material. Especificamente, os participantes responderam à pergunta: “Como você classificaria sua saúde mental geral?”, em uma escala de 0 a 10.

E, novamente, com relação aos padrões com a idade: Os dados mostram que a autoavaliação da saúde mental tende a seguir um padrão em forma de “U” com o avanço da idade — mais baixa na meia-idade e mais alta entre jovens e idosos. Porém, há variações por país. Por exemplo, nos EUA, Austrália e Suécia, a saúde mental melhora com a idade, enquanto em Israel e Tanzânia ela tende a piorar.

O estudo aponta cinco obstáculos centrais para que se possa medir bem-estar de forma eficaz:

Medir para cuidar

Segundo os autores, medir o florescimento é o primeiro passo para promover mudanças reais. Eles argumentam que sem dados consistentes, governos permanecem no escuro, e sugerem que essa medida seja praticada pelas nações que privilegiem o bem-estar social.

Uma boa notícia é que o estudo foi desenhado para isso: ele acompanha as mesmas pessoas ao longo do tempo, com amostras representativas por país, e tem todos os dados disponíveis em acesso aberto.

O que pode ser feito para aprimorar a medida do bem-estar das populações?

Entre as recomendações mais urgentes estão:

  • Monitorar anualmente o bem-estar da população (como faz o Reino Unido desde 2011)
  • Incluir perguntas sobre propósito em censos e pesquisas oficiais
  • Criar programas de mentoria, saúde mental e convivência para jovens
  • Equilibrar indicadores econômicos com medidas de qualidade das relações humanas

Um lembrete para a vida

O bem-estar comum pode transformar a humanidade. Os dados mostram que nossa resiliência é um recurso valioso. Não dá pra controlar tudo o que acontece, mas é possível desenvolver habilidades que ajudam a enfrentar crises com mais leveza, aprendizado e recuperação. Às vezes, a gente sai mais forte do que entrou.

Saborear os bons momentos, mesmo que pequenos, pode reforçar esse florescimento silencioso. Viver o presente com presença é, em si, um ato de resistência. Afinal, como diz o ditado: não há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe.

NeuroTec-R e ciência responsável

No Brasil, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (NeuroTec-R) apoia diretrizes da Pesquisa e Inovação Responsáveis (PIR), promovendo a integração entre pesquisadores, setor público, empresas e a sociedade. Se o bem-estar comum pode transformar a humanidade, ele tem um papel importante no controle das emoções.

A Medicina Integrativa compreende a saúde como resultado do equilíbrio entre corpo, mente e emoções. Nessa abordagem, o cuidado clínico considera o todo: não apenas os sintomas, mas também a história de vida, o ambiente e os vínculos do paciente. O conceito de Florescimento promove a reunião de saberes diversos para promover bem-estar duradouro e pode passar a ser parte ativa do processo terapêutico.

Leia o artigo original (e mais…)

Why we need to measure people’s well-being: lessons from a global survey
VanderWeele, T. J. & Johnson, B. R. Nature 641, 34–36. 30 de abril de 2025

The Global Flourishing Study: Study Profile and Initial Results on Flourishing
VanderWeele, T.J., Johnson, B.R., Bialowolski, P.T. et al.
Article. Open Science. Nature Mental Health. 30 de abril de 2025

Global Flourishing Study – Wave I
Stavroula Kousta (Editor). Collection. 30 de abril de 2025

Access to Data and Tools for Researchers
Centro para a Ciência Aberta (COS) – Página de divulgação científica

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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG