Reposição de lítio pode ser solução para reverter Alzheimer; mas faltam testes com humanos

Reposição de lítio pode prevenir e reverter doença de Alzheimer
Cientistas avançam na pesquisa de novos tratamentos para a doença de Alzheimer — será que o lítio é sequestrado pelas placas amiloides no cérebro humano como aconteceu com os animais testados? Não perca os próximos capítulos dessa jornada – Imagem ilustrativa Freepik.com

Estudo em camundongos, publicado na Nature, mostrou que baixos níveis desse mineral nos estoques cerebrais estão ligados à progressão da doença degenerativa progressiva. Agora os cientistas de Harvard querem testar se o uso de suplemento pode prevenir a perda de memória em seres humanos com a doença.



Um suplemento barato, com histórico antigo, mas pouco glamour farmacêutico, voltou ao centro do debate sobre doenças neurodegenerativas. Publicada na revista científica Nature, de 6 de agosto, “Deficiência de lítio e o aparecimento da doença de Alzheimer” mostra, por enquanto apenas em modelo animal, que a perda natural desse metal alcalino no cérebro está associada às causas do Alzheimer.

A pesquisa, conduzida por Bruce Yankner, da Harvard Medical School, e seus colaboradores, se propôs avaliar se a reposição de lítio, em doses muito pequenas, promoveu a reversão dos danos cerebrais e restaurou a memória de animais. Embora a notícia seja muito boa e promissora, por enquanto, ela somente pode ser festejada pelos camundongos.

Os autores fazem questão de reforçar que há necessidade de cautela antes de se usar o lítio no tratamento de pessoas. Faltam testes clínicos robustos em humanos. É preciso, por exemplo, comprovar se os efeitos se repetem e se a substância não causa algum outro mal.

Ainda assim, a equipe de Yankner está otimista. Se o mesmo efeito for confirmado em humanos, o lítio pode se tornar o primeiro tratamento capaz de restaurar memória na doença de Alzheimer. E, assim, superando todos os medicamentos atuais, que apenas desaceleram os sintomas.

Como foi feita a pesquisa

A equipe de Yankner combinou diferentes estratégias. Primeiro, analisaram amostras de tecido cerebral humano. Eles descobriram que o lítio está naturalmente presente no cérebro, mas em menor quantidade nas regiões afetadas pela doença de Alzheimer. Em pessoas com comprometimento cognitivo leve, o lítio já se encontrava “sequestrado” pelas placas amiloides, tornando-se biologicamente inativo.

Nos testes com camundongos, os cientistas provocaram deficiência de lítio no cérebro dos animais e observaram o agravamento de sintomas e marcadores da doença. Ao testar o tradicional carbonato de lítio e o lítio orotato, apenas o segundo — que não se liga às placas — foi eficaz. Ele reduziu danos cerebrais, restaurou a memória e não apresentou sinais de toxicidade, mesmo com uso prolongado. Também diminuiu os processos inflamatórios e restaurou a memória já comprometida.

Tá bom, não tá? Mas, não acabou. Em animais saudáveis, o mesmo tratamento mostrou efeito protetor contra o envelhecimento cerebral, e ajudou a preservar as funções cognitivas. As evidências disponíveis vêm de estudos populacionais — como a menor incidência de demência em regiões com mais lítio na água potável — e de pequenos testes clínicos com sais tradicionais do metal, que mostraram resultados mistos.

A tau, do Alzheimer

A doença de Alzheimer é uma condição neurodegenerativa progressiva. A perda da função mental e sintomas tais como a deterioração da memória, do raciocínio e das atividades diárias, são alguns dos principais.

A proteína tau, em condições normais, ajuda a estabilizar as estruturas responsáveis pelo transporte de substâncias dentro dos neurônios. Já nas pessoas com Alzheimer, essa proteína muda de forma e se acumula em emaranhados. Essa mudança prejudica a função neuronal e promove a morte celular — o que contribui diretamente para a degeneração cerebral.

O orotato de lítio é um composto seguro e bem tolerado. E ele não só reduziu o acúmulo da proteína tau. Também preveniu a formação de placas beta-amiloides. Ambas, consideradas como “a bala e o gatilho para o desenvolvimento da doença de Alzheimer”.

Mais lítio na água não é garantia de menos demência… Ainda!

Em 2024, um outro trabalho, liderado por Julia Fraiha-Pegado, já tinha descoberto a associação significativa entre “traços” de lítio — quantidades mínimas, quase imperceptíveis, mas detectáveis — e a redução do risco de demência. A revisão da literatura, publicada no International Journal of Bipolar Disorders, analisou 16 estudos de larga escala em nove países.

Os cientistas investigaram se os outros estudos mostravam se pequenas doses de lítio na água potável poderiam proteger o cérebro contra a demência. O efeito protetor foi mais consistente em concentrações naturais, entre 5 e 30 microgramas por litro, bem abaixo das doses terapêuticas usadas na psiquiatria. Por outro lado, concentrações mais elevadas parecem anular o benefício, num padrão de resposta em “U invertido”.

Os autores dessa pesquisa já alertavam, também, para algumas limitações importantes dos resultados encontrados. Por exemplo, como todos os dados foram colhidos de estudos observacionais, não é possível provar relação de causa e efeito. Além disso, diferenças metodológicas entre as pesquisas e a ausência de ensaios clínicos controlados mantêm em aberto até que ponto o lítio pode realmente ser considerado um protetor contra a demência.

Quais os próximos passos para que possamos nos beneficiar disso?

A pesquisa experimental de Bruce Yankner, da Nature, reabre as expectativas e avança. O próximo passo é testar o lítio orotato, ainda em modelos animais, mas numa fase mais avançada. E, em seguida, realizar testes clínicos também com voluntários humanos. Garantir financiamento e apoio regulatório são essenciais nesse novo momento.

Os autores da revisão publicada em 2024 sugerem também que os participantes sejam acompanhados por um tempo, ao longo de suas vidas. E o que for observado seja comparado com os dados que forem identificados em pessoas de regiões diferentes. Onde haja diferentes níveis de lítio natural na água, faixas etárias, sexo e perfis genéticos. Assim será possível entender quem se beneficiaria com esse tipo de intervenção.

Ambos os grupos de pesquisa defendem que o tema seja incorporado às discussões sobre envelhecimento saudável e prevenção de demências. E isso deve acontecer mesmo antes de se definir por qualquer aplicação clínica direta.

Conexão NeuroTec-R

A pesquisa de Yankner reforça a importância de investimentos robustos em pesquisas que associem neurociência básica, dados populacionais e potencial aplicação em saúde pública. No INCT NeuroTec-R, a promoção da Pesquisa e Inovação Responsáveis (PIR) envolve também o debate sobre intervenções acessíveis, seguras e coletivamente discutidas. Como é o casa do uso de minerais no tratamento e prevenção de doenças neurológicas e neurodegenerativas.

[Leia os artigos originais]

Lithium deficiency and the onset of Alzheimer’s disease
Bruce Yankner e colaboradores – Nature, 6 de agosto de 2025
https://doi.org/10.1038/s41586-025-09335-x

Trace lithium levels in drinking water and risk of dementia: a systematic review
Julia Fraiha-Pegado e colaboradores – International Journal of Bipolar Disorders, 2024
https://doi.org/10.1186/s40345-024-00348-5

New hope for Alzheimer’s: lithium supplement reverses memory loss in mice
Lynne Peeples – Nature News, 6 de agosto de 2025
https://doi.org/10.1038/d41586-025-02471-4

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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG