Tornar mais leve o enfrentamento de desafios por parte que quem foge à norma de funcionamento cerebral, promover a aceitação e a inclusão de todas as formas de cognição. Essas ações podem abrir novas oportunidades e contribuir de maneira inimaginável para o avanço da ciência. Neurodivergentes podem ajudar a ciência. Faltam espaços acolhedores e livres de estigmasAcompanhe e dê sua opinião!
A palavra neurodivergência é usada para descrever pessoas cujo cérebro funciona de uma maneira diferente da dos outros. Estima-se que de 15% a 20% da população global seja neurodivergente. Mesmo com tamanha recorrência, essas pessoas ainda enfrentam muitos desafios.
Os chamados neurodivergentes enfrentam barreiras significativas, especialmente no mercado de trabalho e no processo de educação. Muitos desconhecem ter o diagnóstico e ainda passam pelos problemas sem saber como enfrentá-los. Mas, não é de hoje que a mídia traz relatos que abordam a questão e mostram exemplos inspiradores.
No mundo acadêmico e científico não é diferente. Aparentemente, quem tem condições como TDAH, autismo, dislexia, ou síndrome de Tourette, por exemplo, ainda são sub-representados nesses ambientes. E a solução pode estar na inclusão e na valorização das diferenças [Cara/o leitor/a, nos diga se você quer saber mais sobre alguma dessas condições].
Reunimos aqui alguns desses exemplos, coletados de notícias publicadas nas revistas Nature e Science. Além disso, as referências dos textos originais completos estão no final desta notícia, por sua vez publicada no site do INCT Neurotecnologia Responsável.
Como a ciência pode fazer melhor para as pessoas neurodivergentes
O diagnóstico de autismo, por exemplo, está diretamente relacionado a uma taxa de desemprego alarmante. Estudos internacionais apontam que cerca de 60% dos adultos autistas estão desempregados. Levantamento do Escritório Nacional de Estatísticas do Reino Unido dá conta de que menos de 22% das pessoas com autismo estavam empregadas em 2021. E muitos pesquisadores acreditam que esses dados sejam subestimados, devido a subdiagnóstico.
Artigo com o mesmo título acima, publicado em 2022 na revista Nature (pela escritora científica Rachel Pells) traz alguns relatos de pessoas que enfrentam problemas devido a esse jeito diferentão do cérebro. Embora os Neurodivergentes podem ajudar a ciência, por certo, alguns têm ainda outros problemas associados.
Um deles é o caso de Aimee Grant, pesquisadora sênior do Centro de Lactação, Alimentação Infantil e Pesquisa Translacional (LIFT) da Universidade de Swansea, no Reino Unido. Ela conta que foi diagnosticada com autismo aos 37 anos, em 2019.
Grant classifica a necessidade de silêncio como sua maior dificuldade. Pessoas autistas, como ela, entram em um “estado de fluxo” produtivo e agradável, mas facilmente interrompido. Por conseguinte, a cientista também tem dislexia e síndrome de ativação de mastócitos, o que a sujeita a enfrenta alergias graves e a usar cadeira de rodas.
“Cada saída de casa é um desafio repleto de obstáculos”, alerta. Além disso, ela recomenda ser importante se certificar de que a consciência do autismo que nos chega venha da realidade de pessoas autistas. “E, quando uma pessoa autista lhe disser algo sobre sua experiência, ouça”, afirma a cientista.
A notícia de Rachel Peels, da qual bebemos na fonte para este texto, traz outros três relatos.
Transformação através da neurodivergência
Na coluna Working Life da revista Science, Charlotte Goeyers abriu o coração e conta: “Em meio às minhas dificuldades de doutorado, descobri que sou neurodivergente e encontrei maneiras de prosperar” (Science, setembro de 2024). Para ela, o diagnóstico de TDAH e autismo foi um divisor de águas, afirma.
Somente após compreender melhor suas necessidades, conta a pesquisadora, é que foi possível adotar estratégias simples, mas poderosas para seguir um caminho mais produtivo e relativamente mais fácil. Coisas como usar playlists sensoriais ou ferramentas de inteligência artificial para organizar tarefas. Certamente, tudo isso aliado a um maior respeito dela por seus próprios limites, permitiram que ela prosperasse na academia.
Essa virada não só salvou sua vida acadêmica, mas também fortaleceu sua confiança na vida pessoal, com o apoio de familiares, amigos e colegas. “O que antes parecia um obstáculo, agora vejo como minha força”, revela.
O hiperfoco e a facilidade para o reconhecimento de padrões — habilidades comuns em pessoas neurodivergentes — a ajudam a se destacar em atividades como identificação de espécies no microscópio e programação de computadores.
Com isso, Charlote Goeyers foi capaz de melhorar sua produtividade e fortalecer sua saúde mental. Acima de tudo, a pesquisadora também defende mais compreensão e apoio às pessoas com neurodivergência, as quais potencialmente podem contribuir bastante para revolucionar áreas como a ciência.
A importância de uma ciência inclusiva
O editor-chefe da Science, Holden Thorp, compartilha da mesma visão. “A ciência precisa de neurodiversidade” é o título do editorial publicado por ele na edição de abril de 2024, em sua revista. E ele abre o texto afirmando: “Todos os cérebros funcionam de forma diferente”.
Sim. E ele alerta para o fato de que as informações são processadas no âmbito da subjetividade humana. “Influenciadas por uma infinidade de fatores biológicos, culturais e sociais. No mundo da ciência essas diferenças são o que despertam a inovação”, completa.
Por isso, Holden Thorp conta que a descoberta do autismo na vida adulta aumentou sua consciência da necessidade de “desvendar a complexidade da cognição e reduzir o estigma e a exclusão associados ao transtorno do espectro do autismo e outras condições neurológicas”.
Ou seja, ele passou a defender que cérebros diferentes trazem perspectivas únicas, fundamentais para a inovação. Como Charlotte Goeyers, o autor do editorial da Science acredita que a atenção meticulosa a detalhes e o pensamento sistemático, algo natural às pessoas neurodivergentes, assim sendo, sejam essenciais para grandes descobertas científicas.
“A chave para aproveitar esse potencial está na criação de ambientes mais acolhedores e inclusivos, onde a neurodivergência seja vista como um ponto forte, não como limitação”, afirma.
Para uma ciência mais rica e diversificada: neurodivergentes podem ajudar a ciência
À medida que a conscientização sobre os desafios e benefícios da neurodivergência cresce, fica claro que a ciência precisa de mais inclusão. A neurodiversidade não precisa e nem deve ser um obstáculo, mas pode ser uma oportunidade para enriquecer a pesquisa e a inovação.
Pessoas como Charlotte Goeyers, Holden Thorp e os vários outros personagens da notícia de Rachel Peels (além de Aimee Grant), ajudam a transformar a percepção sobre o impacto da neurodivergência no trabalho científico. Elas mostram que, quando bem apoiados, indivíduos neurodivergentes podem se destacar e contribuir, e muito, para a necessária transformação do mundo da ciência.
O texto de Rachel Peels, a escritora da notícia da qual citamos a experiência de Charlotte Goeyers, termina com uma afirmação positiva e por isso escolhemos reproduzi-la também aqui, no final: “O fato de que os financiadores estão reconhecendo a necessidade de mudança é encorajador”. No entanto, ela pondera: “precisamos garantir que haja continuidade e que todos trabalhemos juntos para trazer mudanças positivas em termos de políticas e práticas”.
O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável apoia esse conceito inclusivo de fazer ciência inovadora, como caminho para o alcance de resultados novos e sustentáveis, especialmente em estudos sobre o cérebro. Afinal, os neurodivergentes podem ajudar a ciência. Facilitar seus desafios promove aceitação e inclusão, abre oportunidades e contribui para um mundo mais sustentável.
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Fontes:
Rachael Pells. How science can do better for neurodivergent people. Nature, Career Feature, 2 December 2022.
Holden Torp. Science needs neurodiversity. Science, Editorial, 24 April 2024.
Charlotte Goeyers. Amid my Ph.D. struggles I learned I am neurodivergent – and found ways to thrive. Science, Career/Working Life, 22 February 2024.
Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG