Uma série de evidências científicas decorrentes de um grande estudo intercontinental revela conexão entre como se envelhece e as exposições sociais, políticas e ambientais vividas. Não se trata apenas de escolhas individuais, mas principalmente de justiça social.
Que estresse pode aumentar as rugas, talvez você até tenha pensando. No entanto, já tinha te ocorrido que a incerteza decorrente de um ambiente político estressante pudesse influenciar seu envelhecimento? Mais do que isso: a qualidade do ar da sua cidade ou a educação recebida também podem acelerar – ou desacelerar – seu relógio biológico.
Em outras palavras, há conexão direta entre ambiente sociopolítico e ritmo do envelhecimento humano.
A conclusão é de um estudo intercontinental, inovador, coordenado por Sandra Baez e Agustin Ibanez, do Global Brain Health Institute. Os resultados, publicados em meados de julho na conceituada revista Nature Medicine, podem transformar nossa compreensão do envelhecimento.
Para chegar a essa conclusão foram avaliados mais de 161.981 participantes, originários de 40 países, e de 4 continentes, dentre os 6 que existem.
Além de tudo isso, o estudo usou o conceito de Exposoma, o conjunto de todas as exposições ambientais, internas e externas, de um indivíduo e como elas são capazes de moldar sua biologia e sua saúde. Ou seja, envelhecer bem é questão de justiça social.
O que foi descoberto
Uma das principais conclusões desta pesquisa é que envelhecer não é só uma questão biológica individual. Contudo, não é um processo isolado da sua biologia e tem relação com a ação coletiva. Por conseguinte, esta é mais uma evidência robusta que reforça a necessidade de políticas públicas mais amplas e diversas, direcionadas a cidadãos de diferentes realidades sociais.
Fatores externos, como a qualidade do ar, a desigualdade socioeconômica e a estabilidade democrática, sem dúvida têm um impacto significativo nesse processo. Assim sendo, tudo isso junto é que vai definir a velocidade com que um corpo envelhece.
Para medir isso, os pesquisadores usaram uma nova métrica. Chamada de Lacuna de Idade Biocomportamental, ou “biobehavioural age gap” (BBAG), ela permite comparar a idade cronológica de uma pessoa com a “idade biológica” estimada a partir de fatores de proteção e de risco.
Essa equação resultará na idade que seu corpo realmente aparenta ter. Essa ferramenta ajuda a entender como o estilo de vida, a saúde e o ambiente em que se vive impactam o envelhecimento biológico individual.
Por exemplo, se uma pessoa tem 50 anos e o modelo prevê 60, a “Lacuna de Idade Biocomportamental” dela é de 10 anos. Um BBAG positivo indica envelhecimento acelerado; ao passo que um BBAG negativo, envelhecimento mais lento.
Adicionalmente, foram identificados também fatores internos, como os de risco médico: tais como pressão alta, deficiência auditiva, doenças cardíacas e diabetes.
Por outro lado, a capacidade de realizar atividades diárias, habilidades cognitivas sólidas, atividade física e boa memória protegem contra o envelhecimento acelerado.
Uma das principais hipóteses é a de que o estresse crônico, com seus efeitos físicos no corpo e cérebro, pode ser o mecanismo. A inflamação seria um caminho potencial.
Os achados chave que moldam nosso envelhecimento
A pesquisa desvendou cinco elementos que se destacam por sua influência no BBAG:
- Educação é um escudo contra o tempo: Pessoas com maior escolaridade apresentaram um BBAG menor. Isso significa um envelhecimento biológico mais lento. A educação atua como uma proteção poderosa contra o envelhecimento precoce.
- A força da democracia importa: Países com instituições democráticas mais fracas mostraram envelhecimento acelerado. Indicadores de erosão da democracia, como direitos de voto restritos e eleições injustas, contribuem. Democracias frágeis geram estresse crônico, prejudicando a saúde física e mental. O autor principal, Agustín Ibaez, afirma: “Nunca esperávamos isso.”
- Desigualdade social deixa marcas no corpo: Diferenças econômicas e de gênero não ficam apenas na esfera social. Elas se refletem biologicamente, no BBAG. A desigualdade reduz a resiliência do corpo e induz estresse e desgaste físico acumulativo.
- Poluição do ar acelera tudo: A qualidade do ar emergiu como exposoma físico crucial. A exposição a poluentes, especialmente material particulado (PM2.5), acelerou o BBAG. Isso ocorreu mais do que a desigualdade ou a migração. Essa poluição está ligada a doenças cardiovasculares, cognitivas e respiratórias, sem depender dos hábitos pessoais.
- A polarização cria um “mundo de desespero”: A polarização institucional gerou o que os pesquisadores definiram como “mundo de desespero”. Este é um ambiente tenso. Ele afeta a saúde mental e acelera o envelhecimento biológico. Esse efeito foi notável mesmo descontando fatores individuais. Mostra que o contexto político afeta diretamente nosso envelhecimento.
O estudo e o que ele implica
Os dados obtidos foram analisados de forma metódica e rigorosa, garantindo que as variáveis fossem medidas de forma consistente. Afinal, foram 161.981 participantes, de 40 países: 7 na América Latina, 27 na Europa, 4 na Ásia e 2 na África.
A harmonização desses vastos conjuntos de dados levou cerca de três anos.
E os achados revelam diferenças regionais. Egito e África do Sul, por exemplo, apresentaram as maiores “Lacunas de Idade Biocomportamental”, ou BBAG, indicando envelhecimento mais acelerado. A América Latina também está nessa categoria.
Por outro lado, a Europa demonstrou os menores BBAGs, mostrando um envelhecimento mais saudável. Contudo, mesmo na Europa, o leste e o sul apresentaram mais aceleração em comparação com o oeste e o norte.
Em um subconjunto longitudinal de 21.631 participantes com até 4 anos de intervalo, uma maior diferença de idade biocomportamental previu maior declínio na cognição e na capacidade de realizar tarefas diárias.
Limitações e o futuro da pesquisa
Apesar de robusto, o estudo possui limitações. Variáveis importantes, como o tabagismo, foram omitidas. Isso ocorreu devido a medições inconsistentes entre os países, e que não permitiu usá-los.
Além disso, a duração de 4 anos dos dados de acompanhamento é considerada limitada para o processo de envelhecimento.
E agora, o que vem pela frente?
A partir de agora, os pesquisadores planejam focar mais na saúde cerebral, em governança política e polarização. Acima de tudo, eles estão otimistas quanto à possibilidade de adaptar políticas públicas aos fatores mais relevantes para o envelhecimento em cada nação.
A princípio, também será preciso analisar as ligações causais entre a instabilidade sociopolítica e o envelhecimento acelerado. Necessário, também, incorporar outros fatores determinantes de saúde, biológicos e sociais. Por exemplo, analisar pessoas biologicamente mais jovens e cuja idade cronológica possa revelar novas intervenções que se mostrem protetoras.
A aplicação prática desses resultados é vasta.
O BBAG surge como um biomarcador inovador. Ele é validado em larga escala, pode ser usado para prever o declínio funcional e cognitivo futuro. E, dessa forma, abre caminho para políticas de saúde com base sólida.
Um aspecto que já se deve considerar é que as intervenções devem ir além das questões individuais. A saber, elas abordam fatores estruturais.
Ações de promoção da saúde em empresas, por exemplo, devem considerar fatores ambientais e sociais em suas políticas de bem-estar. O ambiente organizacional impacta diretamente a saúde dos colaboradores.
O NeuroTec-r
A proposta de uso ético e aberto dos dados científicos vai ao encontro das diretrizes defendidas pelo INCT NeuroTec-R. Por certo ele incentiva a participação pública, o diálogo com a sociedade e o uso responsável da neurotecnologia. Este estudo, analogamente, ressalta a importância de abordagens integradas na pesquisa, pilar fundamental do NeuroTec-R na busca por soluções inovadoras em neurociência.
Conclusão
Portanto, para desacelerar o envelhecimento biológico da população, são necessários investimentos sólidos. Eles incluem não apenas educação, democracia e redução da desigualdade, como também a melhoria da qualidade do ar. De maneira idêntica, contextos políticos estáveis, sociedades justas e ar limpo são determinantes cruciais.
De fato, envelhecer bem exige mais do que escolhas individuais. Por certo, se trata de uma estratégia coletiva de justiça. Este estudo histórico reforça que nossa idade biológica é moldada por fatores sociais, políticos e ambientais. Ela não depende apenas da nossa biologia.
Em resumo, é o equilíbrio desses diversos fatores que promovem um envelhecimento mais saudável. Ou, não!
[Leia o artigo original]
The exposome of healthy and accelerated aging across 40 countries
Hernan Hernandez, Hernando Santamaria-Garcia, Sebastian Moguilner, Francesca R. Farina, Agustina Legaz, Pavel Prado, Jhosmary Cuadros, Liset Gonzalez, Raul Gonzalez-Gomez, Joaquín Migeot, Carlos Coronel-Oliveros, Enzo Tagliazucchi, Marcelo Adrián Maito, María E. Godoy, Josephine Cruzat, Ahmed Shaheen, Temitope Farombi, Daniel Salazar, Lucas Uglione Da Ros, Wyllians V. Borelli, Eduardo R. Zimmer, Alfred K. Njamnshi, Swati Bajpai, A. B. Dey, Cyprian Mostert, Zul Merali, Mohamed Salama, Sara A. Moustafa, Sol Fittipaldi, Florencia Altschuler, Vicente Medel, David Huepe, Kristine Yaffe, Chinedu Momoh, Harris A. Eyre, Pawel Swieboda, Brian Lawlor, J. Jaime Miranda, Claudia Duran-Aniotz, Sandra Baez & Agustin Ibanez.
Nature Medicine. 14 de julho de 2025
Leia também
Why do ageing rates vary by country? Massive study says politics play a part
Julian Nowogrodzki. Nature. News. 2025.
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Marcus Vinicius dos Santos (+ link) – jornalista CTMM Medicina UFMG