Apresentação do professor Marco Aurélio Romano-Silva chama a atenção sobre o que é e qual a importância da neurotecnologia, da ética científica e da responsabilidade coletiva na pesquisa para o avanço da sociedade brasileira. Você pode assistir a íntegra da gravação no canal YouTube do INCT NeuroTec-R
Ler pensamentos, restaurar movimentos físicos ou alterar traços de personalidade deixaram de ser ações atribuídas apenas à ficção científica. Estes foram alguns dos aspectos destacados na palestra Neurociência Responsável, realizada on-line, no dia 9 de outubro de 2025.
O professor titular Marco Aurélio Romano-Silva, chefe do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFMG, foi quem fez a apresentação. Ele coordena o Centro de Tecnologia em Medicina Molecular (CTMM) e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (INCT NeuroTec-R).
Ele contou a história que levou ao conceito de Neurociência Responsável, relatou alguns dos avanços que ocorreram simultaneamente ao crescimento do uso da inteligência artificial, além das técnicas de manipulação genética e de implantes cerebrais.
Essas tecnologias, que influenciam diretamente o cérebro humano e evoluem juntas, envolvem uma convergência que exige ciência orientada pela responsabilidade. Por sua vez, essa capacidade de avaliar as próprias ações e suas consequências pode garantir que a inovação tecnológica beneficie a sociedade. E sem comprometer os direitos e a autonomia das pessoas.
Fascínio milenar pelo cérebro
Logo no início, ao contextualizar sua fala, Romano-Silva ensina que o interesse humano pelo cérebro é antigo. “Papiros egípcios de mais de 3 mil anos antes de Cristo mencionam o cérebro”, lembra, destacando ainda que Aristóteles já distinguia cérebro e cerebelo.
Do mapeamento das áreas cerebrais, feito por Brodmann, no início do século XX, até chegarmos à neuroimagem de alta resolução atual, os avanços permitiram visualizar circuitos neuronais com detalhes inéditos. Esses progressos expandiram o campo da neurociência para múltiplas áreas: “Hoje temos neuroeducação, neuroeconomia, neuromarketing, neuroarquitetura, neuroengenharia e até paleoneurociência”, destaca, citando alguns campos acadêmicos promissores.
Embora avalie que a popularização do prefixo “neuro” seja positiva, Romano-Silva alerta para o fato de que o crescimento tecnológico rápido exige reflexão ética constante.
Benefícios e riscos das neurotecnologias
Na live o professor apresenta alguns casos de sucesso que até bem pouco tempo atrás eram impensáveis. Como o de uma paciente com síndrome do encarceramento, uma condição que consiste em paralisia quase completa, e que recuperou a comunicação por meio de um implante cerebral conectado a um avatar digital. Em outro exemplo, terapias gênicas experimentais retardaram a progressão de uma forma rara de demência em até 70%.
Apesar dos resultados promissores, os dilemas éticos são igualmente gigantescos:
- Possível violação da identidade e integridade mental de indivíduos cujos dados cerebrais sejam coletados sem consentimento;
- Riscos à autonomia e privacidade;
- Uso indevido de neuromodulação para alterar traços de personalidade;
- Desigualdade de acesso a terapias avançadas, potencializando exclusão social.
Por este e outros motivos apresentados na palestra, Romano-Silva destaca que as tecnologias poderosas exigem governança coletiva, combinando ciência, vários segmentos da sociedade, empresas, legisladores e políticas públicas.
Ciência com responsabilidade: o modelo AREA e a PIR
Para enfrentar esses desafios, a União Europeia propôs o termo “Pesquisa e Inovação Responsáveis, a PIR, que traduz responsabilidade científica em ação coletiva. O programa Framework 7 (FP7), da União Europeia, desenvolveu o modelo AREA, que se consolidou em iniciativas como o UK Research Councils’ Framework for Responsible Innovation.E é com esta visão que o modelo orienta:
- Anticipate (Antecipar) – Examinar possíveis impactos, riscos e oportunidades antes que a pesquisa ou inovação avance.
- Reflect (Refletir) – Questionar suposições, intenções, valores e as implicações morais do trabalho.
- Engage (Envolver) – Promover diálogo com diferentes públicos (sociedade civil, especialistas, formuladores de políticas).
- Act (Agir) – Incorporar o que foi aprendido nas etapas anteriores e ajustar a pesquisa ou política conforme necessário.
- Incorporar o que foi aprendido nas etapas anteriores e ajustar a pesquisa ou a política conforme necessário.
Ou seja, o modelo AREA não é uma teoria abstrata. Trata-se de uma ferramenta prática de gestão ética e social da inovação — usada em temas como neurotecnologia, IA, biotecnologia e saúde pública. Ele serve para guiar pesquisadores e instituições a pensar de forma responsável sobre os impactos sociais, éticos e futuros da ciência e da tecnologia.
O cientista focou principalmente nas questões relacionadas à responsabilidade na pesquisa científica, à ética em neurociências e às dimensões humanas e sociais das neurotecnologias. Ele citou os princípios da OCDE sobre inovação responsável em neurotecnologia. O Brasil adotou seis valores preconizados pelo organismo internacional: ética, equidade, governança, acesso aberto, engajamento público e educação científica.
Perspectivas para ciência, sociedade e saúde
A adoção desses princípios muda a prática científica. Pesquisadores deixam de atuar isoladamente e passam a integrar redes coletivas de responsabilidade, fortalecendo confiança pública e promovendo distribuição justa de benefícios.
O INCT NeuroTec-R busca consolidar essa visão no Brasil, formando cientistas conscientes dos impactos de suas descobertas. Para Romano-Silva não há respostas únicas para os dilemas da neurociência e da neurotecnologia. “Mas há um caminho: responsabilidade compartilhada entre ciência e sociedade.”
[Assista à palestra completa]
A neurociência molda o futuro humano. Para entender todos os dilemas, soluções e valores da Neurociência Responsável, assista à palestra. Ela está disponível no canal do INCTNeuroTecR no YouTube (36 minutos, com legenda me português), apresentada pelo prof. Marco Aurélio Romano-Silva (UFMG, CTMM, INCT NeuroTec-R).
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Texto: Marcus Vinicius dos Santos – jornalista CTMM Medicina UFMG